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quinta-feira, maio 14, 2009

O QUE HÁ NESSE DESCANSO ETERNO I - Richard Baxter

Mas tudo isso que vimos se refere ao pátio externo, ou, pelo menos, não ao "Lugar Santíssimo", o mais santo de todos. Agora que já subimos os degraus, podemos olhar atrás do véu? Podemos mostrar o que há nesse descanso, como também o que ele pressupõe? Mas, ai de mim! Como conheço tão pouco o que estou prestes a descrever. Devo falar antes de conhecer? Mas se eu chegar até onde conheço bem, não terei de falar de novo. Portanto, falarei, enquanto puder, sobre aquele pouco, muito pouquinho que conheço, em vez de me calar totalmente. O Senhor revelará isso para mim, para que eu possa revelar para você; e o Senhor lançará luz para mostrar a mim e a você a herança que ele nos reservou, como a pérola, descrita no evangelho, revelou-se ao comerciante que não sossegou até que tivesse vendido tudo que tinha para comprá-la; e como o céu se abriu para o abençoado Estevão, quando ele estava prestes a ali entrar, e a glória da qual tomaria posse em breve lhe foi revelada.
I
Há nesse descanso a cessação do movimento ou da ação; não de todas as ações, mas apenas daquela que tem a natureza de um meio e implica a ausência do fim. Quando obtivermos o refúgio, nosso navegar se finda; quando o trabalhador recebe seu salário, isso quer dizer que ele cumpriu suas responsabilidades; quando estamos no fim de nossa jornada, já completamos o caminho. Todos os movimentos se findam no centro, e todos os meios cessam quando temos o fim. Portanto, as profecias desaparecem, as línguas cessam, e o conhecimento passa; ou seja, por ele ter a natureza de um meio e ser imperfeito. E, do mesmo modo, é possível dizer que a fé cessa, não toda fé, pois como poderíamos conhecer todas as coisas passadas, as que não vimos, mas apenas cremos nelas? Como poderíamos conhecer o juízo final, a ressurreição do corpo de antemão, se não fosse pela fé? Como poderíamos conhecer a vida eterna, a eternidade de alegrias que temos, se não fosse pela fé? Mas toda essa fé, que como um meio nos fez alcançar nosso fim, deve cessar. Não haverá mais oração, pois não mais será necessária, mas apenas a alegria plena por tudo aquilo pelo que oramos. E não mais necessitaremos jejuar, e chorar, e estar atentos, pois estaremos fora do alcance do pecado e das tentações. E as exortações e o ensino não mais serão proveitosos; a pregação não mais existe, e o ministério do homem cessa, os sacramentos tornam-se inúteis, os trabalhadores são chamados, pois a colheita foi reunida; o joio, queimado; e o trabalho, findo, os irregenerados não mais têm esperança, os santos não mais sentem medo, e isso para sempre. E, menos ainda, haverá qualquer necessidade para trabalhar por objetivos menores, como o fazemos aqui, observando-se que todos eles serão devolvidos ao oceano do fim supremo, e o bem menor será totalmente tragado pelo maior de todos.
II
Nesse descanso encontramos a perfeita liberdade de todos os que nos acompanham ao longo de nossa caminhada, e que necessariamente seguem nossa ausência do bem maior. Como Deus não reconhecerá os perversos com povo seu, também o céu não conhecerá a iniqüidade para recebê-las, pois ali não entra nada que esteja corrompido ou que seja imundo; ali não se encontra nada disso. E, indubitavelmente, ali não se conhece a tristeza nem o arrependimento. Tampouco encontramos ali faces pálidas, corpos lânguidos, juntas fracas, bebês doentes, decrepitude causada pelo envelhecimento, temperamento pecaminoso, doenças dolorosas, medos opressivos, preocupações desgastantes; e nada ali merece ser chamado de mal. Na verdade, um vendaval de murmúrios e suspiros e um rio de lágrimas nos acompanharam até as portas de nosso descanso e, ali, despedir-se-ão de nós para sempre. Nós choramos e lamentamos enquanto o mundo se alegra; mas nossa tristeza se transforma em alegria, e nossa alegria nenhum homem pode tirar de nós. Deus não seria o bem maior e perfeito, se o pleno gozo dele não nos livrasse de todo mal.
III
Nesse descanso, encontramos o mais alto grau da perfeição pessoal dos santos, tanto do corpo como da alma. Isso, necessariamente, os qualifica a desfrutar da glória e a compartilhar da doçura desse descanso. Se a glória não fosse tão grande, e se eles não se tornassem capazes, por meio da perfeição pessoal, a ajustar-se a esse lugar, ele seria menor para eles. É necessário que o recipiente tenha a disposição certa para desfrutar do regozijo e da emoção ali encontrados. Isso é uma das coisas que torna a alegria dos santos tão magnífica ali. Aqui, "olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam" (1Co 2.9) e que esperam nele. Pois nosso olho de carne não é capaz de ver isso; mas ali, o olho, o ouvido e o coração tornam-se capazes de desfrutar de tudo que o Senhor preparou para seus santos, ou, caso contrário, como eles poderiam desfrutar disso? Quanto mais perfeita a visão, mais prazeroso aos olhos é o belo objeto. Quanto mais perfeito o apetite, mais doce a comida. Quanto mais musical o ouvido, mais agradável a melodia. Quanto mais perfeita a alma, mais alegres essas alegrias e mais gloriosa é essa glória para nós.
IV
Nesse descanso, a parte principal dele, encontramos nosso gozo ao chegar mais próximo de Deus, o bem maior e mais importante. E aqui, caro leitor, não imagine se ficarei perdido e se minhas apreensões recebem pouco daquilo que está estampado em meu semblante. Se o discípulo amado, homem cheio das revelações do Senhor, ousou examinar os segredos de Cristo e falar sobre eles, e viu a Nova Jerusalém em sua glória, e viu a Cristo, Moisés e Elias, na parte desse descanso que lhes cabia; se o que será não apareceu para ele, não é de surpreender que eu conheça tão pouco. Por conhecer a Deus tão pouco, não posso conhecer muito sobre o desfrutar dele. Por conhecer minha alma tão pouco, menos ainda conheço a Majestade infinita, ou a condição dessa alma quando estiver bem imersa nessa alegria! Por conhecer o espírito e os seres espirituais tão pouco, menos ainda conheço o Pai dos espíritos! Contanto que a superstição ateniense se ajuste muito bem aos meus sacrifícios, "AO DEUS DESCONHECIDO", e enquanto não posso ter nem um riacho, então só posso ter muito pouco desse imenso oceano. Jamais seremos capazes de conhecer claramente até podermos desfrutar totalmente desse descanso; nem poderemos assim fazer até que realmente desfrutemos do Senhor. Que concepções estranhas do sol e de sua luz têm o homem que nasceu cego; ou da natureza dos sons e da música, o homem que nasceu surdo! Assim também nós não temos aquele sentido por meio do qual podemos conhecer a Deus claramente. Fico de pé para observar um formigueiro e vejo todas as formigas de uma vez, muito ocupadas com um pequeno propósito. Elas não me conhecem, tampouco conhecem meu ser, meus pensamentos ou minha natureza, embora eu seja uma criatura como elas; quão pouco, portanto, devemos conhecer o grande Criador, embora ele nos veja a todos de uma vez e continuamente. No entanto, o conhecimento que temos, embora imperfeito, passará. Os santos vêem apenas um reflexo, como em espelho, o qual nos capacita a ter um vislumbre pobre, bastante generalizado e obscuro do que veremos na glória.
Como todo esse bem, qualquer que seja ele, está em Deus, e em todas as criaturas temos apenas gotas desse oceano, assim toda a glória dos abençoados está no alegrar-se no Senhor; e se houver alegrias intermediárias ali, elas não passam de gotas desse oceano. Ó alegrias plenas oferecidas ao cristão naquela única sentença de Cristo! Não trocaria esse versículo por nada do mundo, nem daria um grande tesouro para que fosse retirado da Bíblia: "Pai, quero que os que me deste estejam comigo onde eu estou e vejam a minha glória, a glória que me deste" (Jo 17.24). Cada uma dessas palavras é cheia de vida e de alegria. Para esses, Cristo dará "o direito de comer da árvore da vida, que está no paraíso de Deus" (Ap 2.7).
Se o Senhor lançar a luz de seu semblante sobre nós aqui, ele põe mais alegria em nosso coração que o mundo todo pode nos dar. E quanto maior será essa alegria quando estivermos em sua luz, pois aí não teremos trevas, e ele nos deixará plenos de alegria com seu semblante.
O benefício é extremamente alto. Não ousaria pensar nas primazias nesta vida, conforme as Escrituras as apresentam, se essa não fosse a verdade expressa de Deus. Isso mesmo, tão verdadeiro como o Senhor Deus é verdadeiro, assim se fará ao homem a quem Deus se deleita em honrar. Ó cristãos! Creiam nisso e considerem essa verdade. O sol, a lua, as estrelas e todas as criaturas foram chamadas a louvar ao Senhor? Então, o que seu povo deve fazer? Certamente, eles estão mais próximos dele e desfrutam mais dele que os brutos. Todas as obras dele louvam a Deus, mas, acima de tudo, os santos dele devem louvá-lo.
A pobre alma clama das profundezas como se seu Pai estivesse surdo; algumas vezes, ele repreende as nuvens que se interpõe no caminho; outras vezes se enfurece com os vastos abismos que existem entre eles; outras vezes ainda, ele afasta o véu da mortalidade e acha que a morte se esqueceu de cumprir sua responsabilidade; ele sempre argumenta com o pecado que o separa do Senhor e anseia pelo momento em que se separará de sua alma, para que não possa mais ser separado de Deus. Oras, pobre cristão, com bom ânimo, está perto o tempo em que Deus e você estarão próximos, tão próximos quanto você poderia desejar; você habitará em sua família, e isso não é suficiente? É melhor ser porteiro nessa casa que desfrutar da porção do iníquo aqui. Você estará para sempre diante dele, ao redor do trono, na sala do trono com ele, na sala de sua presença. Você ainda gostaria de estar mais perto? Você será seu filho, e ele, seu Pai. Você será um com seu Filho, que é um com o Pai. O que mais você poderia desejar?
V
Nesse descanso, nesse desfrutar de Deus, há uma doce e constante ação de todos os poderes da alma e do corpo. Esse não é o descanso de uma pedra, em que se cessa todo movimento, quando ela atinge o centro. Como o minério é lançado no fogo, uma pedra que ali é lançada sai tão pura quanto o metal, a ponto de merecer outro nome, e a diferença entre ela e o ouro é extremamente grande, e muito maior será a mudança de nosso corpo e de nossos sentidos, tão grande que nem podemos concebê-la. Se a graça faz com que um cristão difira tanto daquilo que era, a ponto de ele poder dizer a seu companheiro, "Ego non sum ego" [Não sou o homem que era], quanto mais a glória nos transformará? Podemos dizer muito mais ainda: "Este não é o corpo que tinha, e estes não são os sentidos que tinha". Mas como não tenho outro nome para eles, nós o chamaremos de sentidos, chamaremos de olhos e ouvidos, visão e audição, mas só podemos imaginar a diferença esse tanto; que como um corpo espiritual, maior que o sol em glória, excede esse punhado frágil, fétido de carne, ou de imundice, que, agora, carregamos conosco; e nossos sentidos da visão e da audição excederão esses que agora possuímos. E, indubitavelmente, assim como Deus aumenta nossos sentidos e desenvolve nossa capacidade, também ele aumenta a felicidade desses sentidos e enche toda essa capacidade consigo mesmo. Uma certeza temos, o trabalho eterno desses santos abençoados será ficar diante do trono de Deus e do Cordeiro e louvá-lo para todo o sempre. À medida que o coração e os olhos deles se encherem com o conhecimento, a glória e o amor do Senhor, também a boca deles se encherá com os louvores de Deus. Prossigam, portanto, ó santos, enquanto estão na terra, nessa divina responsabilidade. Aprendam, ó aprendam aquela responsabilidade apropriada aos santos, pois na boca dos santos do Senhor o louvor de Deus é agradável.
E se o corpo ocupar-se dessa responsabilidade, ó como a alma ficará enlevada! À medida que a força e as habilidades desse corpo ficam mais notáveis, também sua ação fica mais firme, e seu prazer, mais doce. À medida que os sentidos do corpo desempenham sua atitude e ação apropriadas, por meio das quais recebem os objetos e desfrutam deles, também a alma em sua ação desfruta de seu objeto, ao conhecer, ao pensar, ao lembrar, ao amar e ao alegrar-se encantadoramente com ele, e este é o deleite da alma. Por meio desses olhos, ela vê e, por meio desses braços, ela abraça.
O conhecimento por si só é bastante desejável; e qual, portanto, não seria o deleite deles ao conhecer o Deus da verdade. Que nobre faculdade da alma é essa compreensão! O conhecimento pode esquadrinhar a terra, medir o sol, a lua e o céu; pode prever um eclipse com precisão de minutos muitos anos antes de ela ocorrer; sim, mas o ápice de toda sua maravilha é o conhecer a Deus, o ser infinito que fez todas essas coisas; um pouco aqui, e mais um pouco, e muito mais daí por diante. Ó a sabedoria e a bondade de nosso abençoado Senhor! Ele criou o entendimento com tendência e inclinação naturais para a verdade como seu objeto; e à verdade superior e primeira como seu objeto superior e primeiro; e com receio de que nos voltemos a qualquer outra criatura, ele mantém essa verdade superior e primeira como sua prerrogativa divina, não comunicável a nenhuma criatura.
O homem verdadeiro, estudioso e contemplativo sabe que isso é verdade; aquele que sente um doce abraço entre seu intelecto e a verdade, algo muito mais rápido que os olhos, o sentido mais rápido, é capaz de apreender seu desejado objeto. Mas o cristão verdadeiro, estudioso e contemplativo o conhece muito mais; ele é aquele que, algumas vezes, sentiu os abraços mais doces entre sua alma e Jesus Cristo, mais que qualquer verdade inferior poderia oferecer.
Cristão, você, algumas vezes, após mirar longamente o céu não pareceu ter um vislumbre de Cristo? Você não teve a sensação de ter estado com Paulo no terceiro céu, quer no corpo quer fora do corpo, e viu ali coisas indizíveis? Você não olhou por um longo período o sol de Deus, até que seus olhos ficassem deslumbrados com a glória deslumbrante do Senhor? E o esplendor desse astro não faz com que todas as coisas daqui de baixo pareçam obscuras e cobertas de trevas quando você olha para baixo novamente; especialmente no dia em que você sofre por Cristo, o momento em que ele usualmente aparece de forma mais manifesta para seu povo? E não viu alguém, similar ao Filho de Deus, andando no meio da fornalha com você?
Cristãos, acreditem em mim, sim, creiam em Deus, e, para todos os que aqui conheceram um pouco mais de Deus por intermédio de Cristo, isso é muito pouco em comparação com aquilo que deve ser chamado de conhecimento. A diferença entre nosso conhecimento aqui e o conhecimento que lá teremos é tão grande quanto a diferença entre nosso corpo carnal de agora e o corpo espiritual e glorificado que lá teremos; pois o conhecimento atual, como também este corpo, deve desaparecer para que o mais perfeito o possa suceder. Cristãos, não queiram, portanto, saber como é a vida eterna e conhecer a Deus e seu Filho Jesus Cristo; você realmente precisa saber que se deleitar em Deus e em Cristo é a vida eterna, e o deleite da alma está nesse conhecimento.
E, indubitavelmente, não se pode considerar a memória indolente nem inútil quando se ocupa com esse trabalho, nem que seja ao olhar para o que já passou a fim de valorizar seu deleite. Nosso conhecimento aumenta, e não diminui; portanto, o conhecimento das coisas passadas não nos será retirado; e o que é esse conhecimento a não ser a lembrança? Sem dúvida, daquela altura, o santo pode olhar tanto para o que ficou para trás como para o que está diante dele; e comparar as coisas passadas com as presentes deve fazer surgir, na alma abençoada, estima inconcebível e senso de sua condição. Subir naquele monte, em que podemos ver, ao mesmo tempo, o deserto e Canaã; e estar no céu e olhar para a terra, e pesar os dois juntos na balança do sentido de comparação e de julgamento, como isso deve transportar a alma e fazê-la clamar: "Foi esse resgate que custou tão caro quanto o sangue de Cristo? Não é de admirar: ó preço abençoado! E três vezes abençoado o Amor que o inventou e consentiu com isso! É esse o fim último da fé? É esse o fim do operar do Espírito? Os vendavais da graça me arrastaram para esse porto? É deste lado que Cristo atrai minha alma? [...] Ora, minha alma, você não fica envergonhada por ter questionado aquele amor que o trouxe até aqui? Por ter desconfiado da fidelidade de seu Senhor? Por ter duvidado do amor de Deus quando deveria apenas suspeitar de si mesma? Por não viver continuamente enlevada pelo amor de seu Salvador? E por ter, alguma vez, sufocado um movimento do Espírito Santo? Você não se envergonha de todos os pensamentos cruéis que dedicou a este Deus; de todas suas interpretações equivocadas, e de toda sua murmuração em relação a todas as providências, e de todos seus queixumes por causa de todas as formas que esse fim tem? Agora você está suficientemente convencida de que esses caminhos, que chamou de árduos, e o cálice, que chamou de amargo, eram totalmente necessários; de que seu Senhor tem fins mais doces e queria lhe fazer mais bem do que você pudesse imaginar; e de que seu Redentor a estava salvando, tanto quando contrariava seus desejos como quando os concedia; tanto quando partia seu coração como quando ele a abraçava? Assim, como a memória do iníquo promoverá eternamente o tormento dele, ao examinar os prazeres que desfrutava, o pecado cometido, a graça recusada, Cristo negligenciado e o tempo perdido, também a memória dos santos proporcionará para sempre sua alegria.
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