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domingo, junho 14, 2009

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segunda-feira, maio 25, 2009

A ALEGRIA ETERNA - R. BAXTER

Assim, como a memória do iníquo promoverá eternamente o tormento dele, ao examinar os prazeres que desfrutava, o pecado cometido, a graça recusada, Cristo negligenciado e o tempo perdido, também a memória dos santos proporcionará para sempre sua alegria.
Mas a alegria plena, íntima e doce é aquela das emoções, do amor e da alegria; e ela é íntima, pois o amor é a essência da alma, e o amor a essência de Deus. "Deus é amor. Todo aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele" (1Jo 4.16). Agora a pobre alma clama, ó, que eu possa amar mais a Cristo! Mas--ai de mim!--não consigo; sim, mas você não pode fazer nada a não ser escolher amar ao Senhor; eu quase disse, abstenha-se disso se puder. Bem, sua salvação não é aperfeiçoada, nem suas misericórdias compradas; contudo, desista; mas quando a lápide for lançada, você, aos berros, implorará: "Graça, graça!". Agora, sua santificação é imperfeita, e seu perdão e justificação não são tão completos como o serão em nosso descanso eterno; agora você não conhece aquilo que lhe traz alegria e, portanto, ama o que é menor; mas quando você sabe que muito lhe foi perdoado e muito lhe foi concedido, você amará ainda mais.
Cristãos, o seu amor não se agita quando se lembram de todas as experiências e as manifestações do amor do Senhor, quando olham em retrospectiva para a vida de misericórdias? A gentileza não os faz derreter, e a luz da divina bondade não aquece o coração enregelado de vocês? O que ele fará naquele momento em que você viverá imerso em amor e tiver tudo nele, que é tudo? Ó deleites do amor, desse amor; a alegria que o coração encontra nele; a satisfação que ele nos traz junto com ele! Certamente, o amor é trabalho e retribuição!
E se isso fosse tudo, que grande favor Deus nos prestaria ao permitir que o amemos; que ele se digne a ser abraçado por braços que já abraçaram o pecado e a ganância antes de abraçá-lo. Ele retribui amor por amor; não mil vezes mais, pois, por mais perfeitos que sejamos, não podemos alcançar a medida de seu amor. Cristão, você transbordará de amor; mesmo que ame o tanto que lhe for possível, deverá ser dez mil vezes mais amado. Você acha que não conseguiria amá-lo em demasia? Como! Amar mais que o Amor? Os braços do Filho de Deus não estavam sobre a cruz, e seu lado não foi perfurado com a lança, e esse coração e esses braços não estarão abertos para você na glória? Ele não começou a amá-lo antes que pudesse amá-lo e não continuará a amá-lo agora? Ele não amou você, um inimigo; você, um pecador; você que, até mesmo, despreza a si mesmo, e o comprou como seu quando você o repudiou? E ele não amará imensamente você, um filho; você, um santo perfeito; você, que retribui amor com amor? Você está habituado a questionar seu amor? Duvide deste amor agora, se puder. Aos seus olhos, ser amado por Deus é algo pequeno? Cristão, creia nisso e pense sobre isso. Você será eternamente abraçado nos braços desse amor, que sempre foi eterno e durará por toda a eternidade; este amor que trouxe o Filho de Deus do céu para a terra, da terra para a cruz, da cruz para a sepultura, da sepultura para a glória; este amor que ficou cansado e faminto, e que foi tentado, escarnecido, açoitado, esbofeteado, humilhado, crucificado e furado com uma lança; esse amor que jejuou, orou, ensinou, curou, chorou, suou, sangrou, morreu --, esse amor o abraçará eternamente. Quando o amor perfeito e criado e o amor mais perfeito e incriado se encontrarem, ó abençoado encontro! Cristo é a pedra preciosa poderosa, atraente e eficaz que atrai para si todos que são semelhantes a ele. Você agora não tem mais de lidar com criaturas inconstantes, mas apenas com ele "em que não há mudança, nem sombra de variação" (Tg 1.17; ARC), o Deus imutável. O que devemos dizer a essas coisas? O amor infinito certamente é um mistério para a capacidade finita. Não é de admirar que os anjos desejem espreitar esse mistério; e a responsabilidade dos santos aqui é procurar descobrir a altura, a largura e a profundidade desse amor, embora ele ultrapasse qualquer entendimento. E o descanso dos santos é esse deleitar-se em Deus por meio do amor.
O sentimento de alegria não tem a menor participação nesse deleitar-se. É a isso que todo o descanso nos leva e a isso que se resume; exatamente a complacência que os abençoados sentem ao ver, ao conhecer e ao amar a Deus e também ao ser o amado do Senhor. Essa é a "pedra branca com um novo nome nela inscrito, conhecido apenas por aquele que o recebe" (Ap 2.17); e se há alguma alegria que o estrangeiro desconhece, então, certamente, e acima de tudo, é essa. Todos os caminhos da misericórdia de Cristo levam às alegrias dos santos e ali findam. Ele chorou, entristeceu-se e sofreu para que eles pudessem se regozijar; ele enviou o Espírito Santo para ser o Consolador deles; ele multiplica suas promessas, revela a felicidade futura deles para que a alegria deles possa ser plena; as misericórdias do Senhor para com eles sobejam; ele os faz repousar em verdes pastagens e os conduz a águas tranqüilas; sim, o Senhor abre as fontes de água viva para que a alegria deles seja plena; para que não mais tenham sede e para que a vida eterna brote neles. Sim, ele permitiu que sofressem para que pudessem regozijar-se; e os purificou para que pudesse lhes dar o descanso; e os fez beber de um ribeiro à beira do caminho para que pudessem erguer a cabeça.
Ó quão grande alegria será essa; em que a alma foi perfeitamente preparada para a alegria, e a alegria preparada por Cristo para a alma, e o regozijo será eternamente nosso trabalho e nossa responsabilidade! Sua pobre alma que ora por alegria, que espera pela alegria, que reclama em razão da falta de alegria, que anseia pela alegria--oras, naquele momento, você terá a alegria plena, tanta que não poderá abraçá-la, e muito mais que foi capaz de imaginar, e seu coração de desejar. E, nesse meio tempo, ande cuidadosamente, esteja sempre atento e, depois, deixe que Deus meça seu tempo e sua medida de alegria. É possível que o Senhor os guarde até que você não tenha mais necessidade deles: é melhor perder o conforto que a segurança.
E não apenas a sua alegria; é alegria mútua, como também amor mútuo. Houve tal alegria no céu quando você se converteu, e não haverá nenhuma em sua glorificação? Os anjos não lhe darão as boas-vindas e o saudarão por sua chegada segura? Sim, essa é a alegria de Jesus Cristo; pois agora, quando alcançarmos nossa alegria, ele tem o fim da obra que realizou, ao sofrer e morrer; quando ele for "glorificado em seus santos e admirado em todos os que creram" (2Ts 1.10). Somos sua semente e o fruto do trabalho de sua alma e, quando ele nos vir, ficará satisfeito. Essa é a colheita de Cristo, quando ele ceifará a colheita de seu trabalho; e quando ele vir que não foi em vão, isso não o fará se arrepender de seus sofrimentos, pois ele se alegrará com sua herança resgatada, e seu povo se alegrará nele.
Sim, o Pai também acrescenta alegria a nossa alegria. Da mesma forma que entristecemos seu Espírito e o cansamos com nossas iniqüidades, ele também se alegra com nosso bem. Ó como ele aqui observa prontamente o retorno do filho pródigo, mesmo a grande distância; como ele corre para encontrá-lo; e a doce compaixão com que o abraça ternamente e o beija; e veste-o com a melhor veste, e coloca um anel em seu dedo e calçados em seus pés, e escolhe um novilho gordo para que possam comer carne e celebrar! Esse realmente é um encontro afortunado; mas não é nada em comparação com os abraços e a alegria do último e grandioso encontro.
Sim, e ainda mais. Deus ama e se alegra mutuamente, e ele também faz desse nosso descanso o seu descanso. Ele não instituiu o sábado como descanso dos seis dias de trabalho quando viu que tudo que fizera ficou bom, e muito bom? E que eterno sabatismo teremos naquele momento em que toda a obra de redenção, de santificação, de preservação e de glorificação estiver completa, e sua obra estiver mais perfeita que nunca, e realmente ficar muito boa! Assim, afirma-se que o Senhor se regozija e se deleita com seu povo. Ó, cristãos, escrevam estas palavras em letras de ouro: "O SENHOR, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para salvar-te; ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo" (Sf 3.17; ARA).
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quinta-feira, maio 14, 2009

O QUE HÁ NESSE DESCANSO ETERNO I - Richard Baxter

Mas tudo isso que vimos se refere ao pátio externo, ou, pelo menos, não ao "Lugar Santíssimo", o mais santo de todos. Agora que já subimos os degraus, podemos olhar atrás do véu? Podemos mostrar o que há nesse descanso, como também o que ele pressupõe? Mas, ai de mim! Como conheço tão pouco o que estou prestes a descrever. Devo falar antes de conhecer? Mas se eu chegar até onde conheço bem, não terei de falar de novo. Portanto, falarei, enquanto puder, sobre aquele pouco, muito pouquinho que conheço, em vez de me calar totalmente. O Senhor revelará isso para mim, para que eu possa revelar para você; e o Senhor lançará luz para mostrar a mim e a você a herança que ele nos reservou, como a pérola, descrita no evangelho, revelou-se ao comerciante que não sossegou até que tivesse vendido tudo que tinha para comprá-la; e como o céu se abriu para o abençoado Estevão, quando ele estava prestes a ali entrar, e a glória da qual tomaria posse em breve lhe foi revelada.
I
Há nesse descanso a cessação do movimento ou da ação; não de todas as ações, mas apenas daquela que tem a natureza de um meio e implica a ausência do fim. Quando obtivermos o refúgio, nosso navegar se finda; quando o trabalhador recebe seu salário, isso quer dizer que ele cumpriu suas responsabilidades; quando estamos no fim de nossa jornada, já completamos o caminho. Todos os movimentos se findam no centro, e todos os meios cessam quando temos o fim. Portanto, as profecias desaparecem, as línguas cessam, e o conhecimento passa; ou seja, por ele ter a natureza de um meio e ser imperfeito. E, do mesmo modo, é possível dizer que a fé cessa, não toda fé, pois como poderíamos conhecer todas as coisas passadas, as que não vimos, mas apenas cremos nelas? Como poderíamos conhecer o juízo final, a ressurreição do corpo de antemão, se não fosse pela fé? Como poderíamos conhecer a vida eterna, a eternidade de alegrias que temos, se não fosse pela fé? Mas toda essa fé, que como um meio nos fez alcançar nosso fim, deve cessar. Não haverá mais oração, pois não mais será necessária, mas apenas a alegria plena por tudo aquilo pelo que oramos. E não mais necessitaremos jejuar, e chorar, e estar atentos, pois estaremos fora do alcance do pecado e das tentações. E as exortações e o ensino não mais serão proveitosos; a pregação não mais existe, e o ministério do homem cessa, os sacramentos tornam-se inúteis, os trabalhadores são chamados, pois a colheita foi reunida; o joio, queimado; e o trabalho, findo, os irregenerados não mais têm esperança, os santos não mais sentem medo, e isso para sempre. E, menos ainda, haverá qualquer necessidade para trabalhar por objetivos menores, como o fazemos aqui, observando-se que todos eles serão devolvidos ao oceano do fim supremo, e o bem menor será totalmente tragado pelo maior de todos.
II
Nesse descanso encontramos a perfeita liberdade de todos os que nos acompanham ao longo de nossa caminhada, e que necessariamente seguem nossa ausência do bem maior. Como Deus não reconhecerá os perversos com povo seu, também o céu não conhecerá a iniqüidade para recebê-las, pois ali não entra nada que esteja corrompido ou que seja imundo; ali não se encontra nada disso. E, indubitavelmente, ali não se conhece a tristeza nem o arrependimento. Tampouco encontramos ali faces pálidas, corpos lânguidos, juntas fracas, bebês doentes, decrepitude causada pelo envelhecimento, temperamento pecaminoso, doenças dolorosas, medos opressivos, preocupações desgastantes; e nada ali merece ser chamado de mal. Na verdade, um vendaval de murmúrios e suspiros e um rio de lágrimas nos acompanharam até as portas de nosso descanso e, ali, despedir-se-ão de nós para sempre. Nós choramos e lamentamos enquanto o mundo se alegra; mas nossa tristeza se transforma em alegria, e nossa alegria nenhum homem pode tirar de nós. Deus não seria o bem maior e perfeito, se o pleno gozo dele não nos livrasse de todo mal.
III
Nesse descanso, encontramos o mais alto grau da perfeição pessoal dos santos, tanto do corpo como da alma. Isso, necessariamente, os qualifica a desfrutar da glória e a compartilhar da doçura desse descanso. Se a glória não fosse tão grande, e se eles não se tornassem capazes, por meio da perfeição pessoal, a ajustar-se a esse lugar, ele seria menor para eles. É necessário que o recipiente tenha a disposição certa para desfrutar do regozijo e da emoção ali encontrados. Isso é uma das coisas que torna a alegria dos santos tão magnífica ali. Aqui, "olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam" (1Co 2.9) e que esperam nele. Pois nosso olho de carne não é capaz de ver isso; mas ali, o olho, o ouvido e o coração tornam-se capazes de desfrutar de tudo que o Senhor preparou para seus santos, ou, caso contrário, como eles poderiam desfrutar disso? Quanto mais perfeita a visão, mais prazeroso aos olhos é o belo objeto. Quanto mais perfeito o apetite, mais doce a comida. Quanto mais musical o ouvido, mais agradável a melodia. Quanto mais perfeita a alma, mais alegres essas alegrias e mais gloriosa é essa glória para nós.
IV
Nesse descanso, a parte principal dele, encontramos nosso gozo ao chegar mais próximo de Deus, o bem maior e mais importante. E aqui, caro leitor, não imagine se ficarei perdido e se minhas apreensões recebem pouco daquilo que está estampado em meu semblante. Se o discípulo amado, homem cheio das revelações do Senhor, ousou examinar os segredos de Cristo e falar sobre eles, e viu a Nova Jerusalém em sua glória, e viu a Cristo, Moisés e Elias, na parte desse descanso que lhes cabia; se o que será não apareceu para ele, não é de surpreender que eu conheça tão pouco. Por conhecer a Deus tão pouco, não posso conhecer muito sobre o desfrutar dele. Por conhecer minha alma tão pouco, menos ainda conheço a Majestade infinita, ou a condição dessa alma quando estiver bem imersa nessa alegria! Por conhecer o espírito e os seres espirituais tão pouco, menos ainda conheço o Pai dos espíritos! Contanto que a superstição ateniense se ajuste muito bem aos meus sacrifícios, "AO DEUS DESCONHECIDO", e enquanto não posso ter nem um riacho, então só posso ter muito pouco desse imenso oceano. Jamais seremos capazes de conhecer claramente até podermos desfrutar totalmente desse descanso; nem poderemos assim fazer até que realmente desfrutemos do Senhor. Que concepções estranhas do sol e de sua luz têm o homem que nasceu cego; ou da natureza dos sons e da música, o homem que nasceu surdo! Assim também nós não temos aquele sentido por meio do qual podemos conhecer a Deus claramente. Fico de pé para observar um formigueiro e vejo todas as formigas de uma vez, muito ocupadas com um pequeno propósito. Elas não me conhecem, tampouco conhecem meu ser, meus pensamentos ou minha natureza, embora eu seja uma criatura como elas; quão pouco, portanto, devemos conhecer o grande Criador, embora ele nos veja a todos de uma vez e continuamente. No entanto, o conhecimento que temos, embora imperfeito, passará. Os santos vêem apenas um reflexo, como em espelho, o qual nos capacita a ter um vislumbre pobre, bastante generalizado e obscuro do que veremos na glória.
Como todo esse bem, qualquer que seja ele, está em Deus, e em todas as criaturas temos apenas gotas desse oceano, assim toda a glória dos abençoados está no alegrar-se no Senhor; e se houver alegrias intermediárias ali, elas não passam de gotas desse oceano. Ó alegrias plenas oferecidas ao cristão naquela única sentença de Cristo! Não trocaria esse versículo por nada do mundo, nem daria um grande tesouro para que fosse retirado da Bíblia: "Pai, quero que os que me deste estejam comigo onde eu estou e vejam a minha glória, a glória que me deste" (Jo 17.24). Cada uma dessas palavras é cheia de vida e de alegria. Para esses, Cristo dará "o direito de comer da árvore da vida, que está no paraíso de Deus" (Ap 2.7).
Se o Senhor lançar a luz de seu semblante sobre nós aqui, ele põe mais alegria em nosso coração que o mundo todo pode nos dar. E quanto maior será essa alegria quando estivermos em sua luz, pois aí não teremos trevas, e ele nos deixará plenos de alegria com seu semblante.
O benefício é extremamente alto. Não ousaria pensar nas primazias nesta vida, conforme as Escrituras as apresentam, se essa não fosse a verdade expressa de Deus. Isso mesmo, tão verdadeiro como o Senhor Deus é verdadeiro, assim se fará ao homem a quem Deus se deleita em honrar. Ó cristãos! Creiam nisso e considerem essa verdade. O sol, a lua, as estrelas e todas as criaturas foram chamadas a louvar ao Senhor? Então, o que seu povo deve fazer? Certamente, eles estão mais próximos dele e desfrutam mais dele que os brutos. Todas as obras dele louvam a Deus, mas, acima de tudo, os santos dele devem louvá-lo.
A pobre alma clama das profundezas como se seu Pai estivesse surdo; algumas vezes, ele repreende as nuvens que se interpõe no caminho; outras vezes se enfurece com os vastos abismos que existem entre eles; outras vezes ainda, ele afasta o véu da mortalidade e acha que a morte se esqueceu de cumprir sua responsabilidade; ele sempre argumenta com o pecado que o separa do Senhor e anseia pelo momento em que se separará de sua alma, para que não possa mais ser separado de Deus. Oras, pobre cristão, com bom ânimo, está perto o tempo em que Deus e você estarão próximos, tão próximos quanto você poderia desejar; você habitará em sua família, e isso não é suficiente? É melhor ser porteiro nessa casa que desfrutar da porção do iníquo aqui. Você estará para sempre diante dele, ao redor do trono, na sala do trono com ele, na sala de sua presença. Você ainda gostaria de estar mais perto? Você será seu filho, e ele, seu Pai. Você será um com seu Filho, que é um com o Pai. O que mais você poderia desejar?
V
Nesse descanso, nesse desfrutar de Deus, há uma doce e constante ação de todos os poderes da alma e do corpo. Esse não é o descanso de uma pedra, em que se cessa todo movimento, quando ela atinge o centro. Como o minério é lançado no fogo, uma pedra que ali é lançada sai tão pura quanto o metal, a ponto de merecer outro nome, e a diferença entre ela e o ouro é extremamente grande, e muito maior será a mudança de nosso corpo e de nossos sentidos, tão grande que nem podemos concebê-la. Se a graça faz com que um cristão difira tanto daquilo que era, a ponto de ele poder dizer a seu companheiro, "Ego non sum ego" [Não sou o homem que era], quanto mais a glória nos transformará? Podemos dizer muito mais ainda: "Este não é o corpo que tinha, e estes não são os sentidos que tinha". Mas como não tenho outro nome para eles, nós o chamaremos de sentidos, chamaremos de olhos e ouvidos, visão e audição, mas só podemos imaginar a diferença esse tanto; que como um corpo espiritual, maior que o sol em glória, excede esse punhado frágil, fétido de carne, ou de imundice, que, agora, carregamos conosco; e nossos sentidos da visão e da audição excederão esses que agora possuímos. E, indubitavelmente, assim como Deus aumenta nossos sentidos e desenvolve nossa capacidade, também ele aumenta a felicidade desses sentidos e enche toda essa capacidade consigo mesmo. Uma certeza temos, o trabalho eterno desses santos abençoados será ficar diante do trono de Deus e do Cordeiro e louvá-lo para todo o sempre. À medida que o coração e os olhos deles se encherem com o conhecimento, a glória e o amor do Senhor, também a boca deles se encherá com os louvores de Deus. Prossigam, portanto, ó santos, enquanto estão na terra, nessa divina responsabilidade. Aprendam, ó aprendam aquela responsabilidade apropriada aos santos, pois na boca dos santos do Senhor o louvor de Deus é agradável.
E se o corpo ocupar-se dessa responsabilidade, ó como a alma ficará enlevada! À medida que a força e as habilidades desse corpo ficam mais notáveis, também sua ação fica mais firme, e seu prazer, mais doce. À medida que os sentidos do corpo desempenham sua atitude e ação apropriadas, por meio das quais recebem os objetos e desfrutam deles, também a alma em sua ação desfruta de seu objeto, ao conhecer, ao pensar, ao lembrar, ao amar e ao alegrar-se encantadoramente com ele, e este é o deleite da alma. Por meio desses olhos, ela vê e, por meio desses braços, ela abraça.
O conhecimento por si só é bastante desejável; e qual, portanto, não seria o deleite deles ao conhecer o Deus da verdade. Que nobre faculdade da alma é essa compreensão! O conhecimento pode esquadrinhar a terra, medir o sol, a lua e o céu; pode prever um eclipse com precisão de minutos muitos anos antes de ela ocorrer; sim, mas o ápice de toda sua maravilha é o conhecer a Deus, o ser infinito que fez todas essas coisas; um pouco aqui, e mais um pouco, e muito mais daí por diante. Ó a sabedoria e a bondade de nosso abençoado Senhor! Ele criou o entendimento com tendência e inclinação naturais para a verdade como seu objeto; e à verdade superior e primeira como seu objeto superior e primeiro; e com receio de que nos voltemos a qualquer outra criatura, ele mantém essa verdade superior e primeira como sua prerrogativa divina, não comunicável a nenhuma criatura.
O homem verdadeiro, estudioso e contemplativo sabe que isso é verdade; aquele que sente um doce abraço entre seu intelecto e a verdade, algo muito mais rápido que os olhos, o sentido mais rápido, é capaz de apreender seu desejado objeto. Mas o cristão verdadeiro, estudioso e contemplativo o conhece muito mais; ele é aquele que, algumas vezes, sentiu os abraços mais doces entre sua alma e Jesus Cristo, mais que qualquer verdade inferior poderia oferecer.
Cristão, você, algumas vezes, após mirar longamente o céu não pareceu ter um vislumbre de Cristo? Você não teve a sensação de ter estado com Paulo no terceiro céu, quer no corpo quer fora do corpo, e viu ali coisas indizíveis? Você não olhou por um longo período o sol de Deus, até que seus olhos ficassem deslumbrados com a glória deslumbrante do Senhor? E o esplendor desse astro não faz com que todas as coisas daqui de baixo pareçam obscuras e cobertas de trevas quando você olha para baixo novamente; especialmente no dia em que você sofre por Cristo, o momento em que ele usualmente aparece de forma mais manifesta para seu povo? E não viu alguém, similar ao Filho de Deus, andando no meio da fornalha com você?
Cristãos, acreditem em mim, sim, creiam em Deus, e, para todos os que aqui conheceram um pouco mais de Deus por intermédio de Cristo, isso é muito pouco em comparação com aquilo que deve ser chamado de conhecimento. A diferença entre nosso conhecimento aqui e o conhecimento que lá teremos é tão grande quanto a diferença entre nosso corpo carnal de agora e o corpo espiritual e glorificado que lá teremos; pois o conhecimento atual, como também este corpo, deve desaparecer para que o mais perfeito o possa suceder. Cristãos, não queiram, portanto, saber como é a vida eterna e conhecer a Deus e seu Filho Jesus Cristo; você realmente precisa saber que se deleitar em Deus e em Cristo é a vida eterna, e o deleite da alma está nesse conhecimento.
E, indubitavelmente, não se pode considerar a memória indolente nem inútil quando se ocupa com esse trabalho, nem que seja ao olhar para o que já passou a fim de valorizar seu deleite. Nosso conhecimento aumenta, e não diminui; portanto, o conhecimento das coisas passadas não nos será retirado; e o que é esse conhecimento a não ser a lembrança? Sem dúvida, daquela altura, o santo pode olhar tanto para o que ficou para trás como para o que está diante dele; e comparar as coisas passadas com as presentes deve fazer surgir, na alma abençoada, estima inconcebível e senso de sua condição. Subir naquele monte, em que podemos ver, ao mesmo tempo, o deserto e Canaã; e estar no céu e olhar para a terra, e pesar os dois juntos na balança do sentido de comparação e de julgamento, como isso deve transportar a alma e fazê-la clamar: "Foi esse resgate que custou tão caro quanto o sangue de Cristo? Não é de admirar: ó preço abençoado! E três vezes abençoado o Amor que o inventou e consentiu com isso! É esse o fim último da fé? É esse o fim do operar do Espírito? Os vendavais da graça me arrastaram para esse porto? É deste lado que Cristo atrai minha alma? [...] Ora, minha alma, você não fica envergonhada por ter questionado aquele amor que o trouxe até aqui? Por ter desconfiado da fidelidade de seu Senhor? Por ter duvidado do amor de Deus quando deveria apenas suspeitar de si mesma? Por não viver continuamente enlevada pelo amor de seu Salvador? E por ter, alguma vez, sufocado um movimento do Espírito Santo? Você não se envergonha de todos os pensamentos cruéis que dedicou a este Deus; de todas suas interpretações equivocadas, e de toda sua murmuração em relação a todas as providências, e de todos seus queixumes por causa de todas as formas que esse fim tem? Agora você está suficientemente convencida de que esses caminhos, que chamou de árduos, e o cálice, que chamou de amargo, eram totalmente necessários; de que seu Senhor tem fins mais doces e queria lhe fazer mais bem do que você pudesse imaginar; e de que seu Redentor a estava salvando, tanto quando contrariava seus desejos como quando os concedia; tanto quando partia seu coração como quando ele a abraçava? Assim, como a memória do iníquo promoverá eternamente o tormento dele, ao examinar os prazeres que desfrutava, o pecado cometido, a graça recusada, Cristo negligenciado e o tempo perdido, também a memória dos santos proporcionará para sempre sua alegria.
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quarta-feira, abril 29, 2009

O Que Este Descanso Eterno Pressupõe - Richard Baxter

Para uma compreensão ainda mais clara desse descanso, você precisa saber que há algumas coisas necessariamente pressupostas nele.

Todas estas coisas são pressupostas nesse descanso:

A pessoa em movimento, em busca de descanso. O homem aqui está a caminho; anjos e espíritos glorificados já têm isso; e os demônios e os condenados não têm nenhuma esperança; um fim para o qual caminha para seu descanso; cujo fim deve ser suficiente para seu descanso; caso contrário, esse descanso, quando obtido, seria uma ilusão para o homem que para lá caminha. Esse descanso só pode ser Deus, o bem maior. Aquele que pega qualquer outra coisa para sua felicidade, já deu o primeiro passo para sair desse caminho. O principal pecado para a condenação é tornar qualquer outra coisa, que não Deus, nosso fim ou nosso descanso. E o primeiro verdadeiro ato salvador é escolher apenas Deus como nos-so fim e felicidade.
Para esse fim, pressupõe-se certa distância; caso contrário, não haveria nenhum movimento em sua direção. Essa triste distância é fato penoso para toda a humanidade desde a queda; basicamente foi nosso Deus que perdemos, e fomos excluídos de sua graciosa presença. Embora haja comentários de perdermos apenas nossa felicidade terrena e temporal, tenho certeza de que a queda foi nossa separação de Deus, e foi a ele que perdemos e, por essa razão, dizemos estar sem ele no mundo. Pois o pecado não destruiu nosso ser, nem nos tirou o movimento; mas aniquilou a retidão e o bem-estar de nosso movimento. Quando Cristo vem com a graça regeneradora e salvadora, ele não encontra nenhum homem sentado e imóvel, uma vez que todos estão a caminho da ruína eterna, até que ele, pelo convencimento, os traz antes de mais nada a uma parada; e, pela conversão, faz com que, primeiro, o coração e, depois, a vida deles se voltem sinceramente para ele.
Aqui se pressupõe o conhecimento do fim verdadeiro e supremo e de sua maravilha, bem como da intenção séria de alcançar esse fim. Pois o movimento da criatura racional prossegue: um fim desconhecido não é um fim; isso é uma contradição. Não podemos ter como fim aquilo que desconhecemos; tampouco nosso principal fim pode ser aquilo que não conhecemos, ou algo que não consideramos como o bem supremo. Um bem desconhecido não faz mover o desejo nem o esforço; portanto, sempre que não se reconhece que Deus é verdadeiramente esse fim, nem que o Senhor contém todo o bem, não há a possibilidade de se obter, de uma forma comum e conhecida, nenhum descanso, quaisquer que sejam as formas pelas quais Deus mantém esse fim em segredo.
Aqui se pressupõe não apenas uma distância desse descanso, mas também o verdadeiro conhecimento dessa distância. Se um homem perdeu seu caminho e não o conhece, ele não procura retornar; se ele perde seu ouro, e não o conhece, ele não o busca. Portanto
, talvez eles nunca saibam que estão sem Deus e, ainda talvez, não tenham se deleitado no Senhor; e, desse modo, eles nunca poderiam saber que estavam natural e realmente no caminho para o inferno, e que ainda não conhecem o caminho para o céu. Esse é caso lamentável de milhares de pessoas, e a razão pela qual apenas poucos obtêm esse descanso: eles não podem ser convencidos nem tornar-se sensíveis a ele, pois eles, quanto à posição, estão distante desse caminho e, quanto à prática, são contrários a ele. Eles perderam seu Deus, sua alma, seu descanso, e não conhecem nada disso nem acreditam naquele que lhes disser isso. Quem viajaria para um local se achar que já está lá, ou quem procuraria algo que sabe que não perdeu?
Aqui também se pressupõe uma causa superior para o movimento e uma influência proveniente daí, ou, caso contrário, todos ficaríamos imóveis e não daríamos um passo adiante em direção ao nosso descanso; da mesma forma que as pequenas engrenagens de um relógio de corda não se movem se a mola, ou o primeiro motor, for retirada. Esse primum movens [primeiro motor] é Deus. Se Deus não nos mover, não podemos nos mover; portanto uma parte muito necessária de nossa sabedoria cristã refere-se ao manter nossa subordinação a Deus e nossa dependência nele; e, ainda, estar no caminho onde ele caminha, e naquele caminho onde seu Espírito mais usualmente se move. Acautele-se para não ficar separado de Deus, nem afastar-se dele, nem relaxar em suas expectativas diárias da ajuda renovada, nem ficar insensível à contínua influência e assistência do Espírito. Assim que você começar a confiar em seu estoque habitual de graça, a depender de seu próprio entendimento ou resolução para a responsabilidade e para o santo caminhar, isso quer dizer que você está em um perigoso estado de declínio.
Aqui se pressupõe um princípio interno da vida na pessoa. Deus não move um homem como se este fosse uma pedra, mas faz isso primeiro ao lhe doar vida, ao não permitir que se mova sem Deus, mas, por meio disso, ao qualificá-lo para que se mova por si, subordinado a Deus, o primeiro motor. Determinar qual a natureza des-sa vida espiritual é uma questão extremamente difícil. Se, como alguns acham (mas que considero um equívoco), for Cristo em pessoa e em essência, ou o Espírito Santo pessoalmente; ou, se, como outros distinguem (e desconheço em que sentido), for o Espírito Santo, mas não pessoalmente: quer seja por acidente, quer seja por qualidade, quer seja por substância espiritual, como a alma mesma; se for apenas um ato, uma disposição, ou um hábito, como geralmente se considera, quer seja um hábito infundido, quer seja adquirido por atos assíduos, aos quais a alma foi moralmente persuadida; quer seja um tanto distinto de um hábito, isto é, um poder, a saber, potentia proxima intelligendi, credendi, volendi, etc., in spiritualibus [o poder de entender as coisas próximas, o poder de crer nas coisas espirituais, o poder de querer etc.], o que alguns consideram como o mais provável -- muitas dessas dificuldades ocorrem, e serão dificuldades, apesar de a doutrina dos espíritos e das obras espirituais parecer tão obscura para nós, e isso sempre será assim enquanto o pó da mortalidade e da corrupção estiver em nossos olhos. Este é meu conforto: que a morte brevemente soprará este pó, e, naquele momento, isso e tantas outras coisas serão resolvidas. Nesse meio tempo, continuo cético e pouco conheço sobre toda essa doutrina dos espíritos e das obras espirituais, além daquilo que as Escrituras revelam claramente, como também creio que faremos muito bem em manter-nos próximos a sua linguagem.
Aqui se supõe um movimento real antes do descanso; o descanso é o fim do movimento: sem movimento não há descanso. O cristianismo não é uma profissão nem emprego sedentários; tampouco consiste de meros negativos . Não fazer o bem não é o mal menor: sentar-se imóvel o fará perder o céu, como também o perderá se correr dele. Sei que quando tivermos feito tudo, seremos servos inúteis; e ninguém que confie nos supostos méritos de suas obras pode ser cristão, no sentido apropriado; no entanto, aquele que esconde seu talento, receberá o salário de um servo indolente.
Aqui também se supõe o movimento exatamente como foi ordenado e direcionado para o fim; e não é todo movimento, todo trabalho e toda busca que trazem o descanso. Nem todos os caminhos levam a esse fim; mas aquele cuja bondade decreta o fim, decreta, por meio de sua sabedoria e de sua soberana autoridade, o caminho. Nossos próprios caminhos, inventados por nós mesmos, podem parecer mais sábios, mais agradáveis, mais atrativos e mais eqüitativos aos nossos olhos; mas apenas o decreto de Deus é que poderá abrir essa fechadura, e ele é a melhor chave para abri-la. [...] Cristo é a porta; o único caminho para esse descanso. Alguns jamais permitirão que nada mais seja chamado de o caminho, com receio de que ele se afaste de Cristo. A verdade é que Cristo é o único Caminho para o Pai; no entanto a fé é o caminho para Cristo; e a obediência ao evangelho, a fé e as obras, esse é o caminho que os que estão em Cristo devem percorrer. Há, como antes, muitas condições para a submissão a Cristo, mas não há nenhuma que atue em conjunção com ele; assim, só o caminho de Deus nos levará a esse fim e a esse descanso.
Aqui também se supõe o movimento, como o movimento corretamente ordenado, tão constante e firme para que se possa alcançar o fim. Se não pusermos força no arco, a flecha não alcança a marca; o mundo preguiçoso, que pensa muito, descobrirá, a um alto preço, isso um dia. Os que acham que menos trabalho poderia servir a esse fim reprovam a Cristo por nos fazer realizar tantas coisas. Aqueles que foram mais santos, cuidadosos e pacientes para alcançar a fé e a segurança acham, quando estão prestes a morrer, que realizaram muito pouco. Observamos diariamente os melhores cristãos, quando à beira da morte, arrependerem-se por sua negligência; mas jamais observei alguém se arrepender de sua santidade e de seu zelo. Se o caminho para o céu não for mais árduo que o mundo imagina, então Cristo e seus apóstolos não conheciam o caminho, ou, então, eles nos enganaram. Se alguma alma alcançar a salvação da forma comum, desleixada e fácil do mundo, então diria que esse caminho é mais curto que o que Deus, por meio das Escrituras, revelou aos filhos dos homens. Deus conhece o caminho melhor que eles, e sua Palavra é o meio verdadeiro e infalível para descobri-lo.
Também vi essa doutrina ser ignorada com desdém por pessoas que dizem: "O quê? Você quer dizer que nós devemos trabalhar para alcançar o céu? Nossa obediência contribui para algo? Cristo já não fez tudo? Isso não o torna um Salvador incompleto? E isso não é o mesmo que pregar a Lei?". Em resposta a esses questionamentos, devo dizer o que representa pregar a Lei de Cristo; é pregar a obediência a Cristo. Cristo fez e fará toda a obra e, portanto, é o Salvador perfeito, mas, mesmo assim, deixa algo para que nós façamos. Ele pagou todo o preço e não deixou nada para que nós pagássemos; no entanto, ele jamais teve a intenção de que seu resgate nos pusesse em uma condição absoluta, imediata e pessoal em relação à glória, isso em relação à lei, e muito menos que tomássemos posse imediata dela . Ele comprou a coroa para conferi-la apenas mediante a fé, aos que negam a tudo por ele, sofrem com ele, perseveram e vencem. O que salva não é apenas a oferta do Salvador, mas o recebê-lo; não é apenas o sangue derramado de Cristo que salva plenamente, mas o lavar-se nesse sangue; tampouco Cristo nos leva para o céu em uma cadeira segura . Nossa justiça, que a lei das obras exige e por meio da qual é satisfeita, está totalmente em Cristo, e sabemos que nem um grão dela está em nós; tampouco devemos ousar pensar em costurar juntas a justiça legal de Cristo e a nossa; ou seja, achar que nossas ações podem ser a menor parte da satisfação por nossos pecados, ou ter algum mérito inerente. Contudo, nós devemos cumprir pessoalmente as condições da nova aliança e, dessa forma, ter uma justiça pessoal e evangélica, ou jamais ser salvo pela justiça de Cristo; portanto, não diga que não se refere à obediência, mas a Cristo; pois é Cristo em uma forma de obediência. Como a obediência não dispensa Cristo, também Cristo não pode dispensar a obediência.
E esse movimento deve ser firme, como também [deve ser] constante; ou ele ficará aquém do descanso. Começar pelo Espírito e acabar pela carne, isso não levará os santos a alcançar seu fim. A certeza para a perseverança dos santos não torna inútil a admoestação para a constância; homens, tão santos quanto os melhores de nós, caíram . Até mesmo os discípulos de Cristo receberam ordens para continuar no amor de nosso Salvador, e isso se alcançaria por meio do guardar seus mandamentos e do permanecer nele, e da permanência de sua Palavra neles, como também da permanência de Cristo neles.
Pressupõe-se também que para a obtenção desse descanso é preciso ter um intenso desejo por ele. O movimento da alma não é aquele que pede violência ou coação--ninguém pode forçar esse movimento --, mas é algo natural, de acordo com nossa nova natureza. Como tudo se inclina a seu próprio centro, também a criatura racional é carregada em todo seu movimento, por meio do qual deseja alcançar seu fim. Esse fim é a primeira coisa a que se almeja, e a que mais se deseja, embora seja a última a ser obtida. Observe esse fim e acredite nele, seja você quem for; jamais houve uma alma que tenha conseguido tornar Cristo e a glória seu principal fim, nem que tenha alcançado o descanso com Deus, se seu desejo não estivesse depositado nele, e esse desejo estivesse acima de todas as demais coisas existentes no mundo. Primeiro, Cristo traz o coração da pessoa para o céu, e só depois a pessoa. Todo aquele que verdadeiramente se deleitou em Deus por intermédio de Cristo mais que em todas as outras coisas do mundo alcançará esse descanso; e todo aquele que desejou ter qualquer outra coisa não o alcançará, a menos que Deus o transforme. É verdade que o que resta de nossa velha natureza enfraquecerá muito esse desejo e o obstruirá, mas jamais o vencerá. O movimento apaixonado de nossos desejos é, com freqüência, mais forte em relação às coisas inferiores e sensoriais; mas a vontade ou escolha deliberada, nosso desejo racional, é principalmente proveniente de Deus.
Finalmente, aqui se propõe a angústia e o cansaço em nosso movimento. Isso surge não de qualquer maldade na obra ou no caminho, pois o jugo de Cristo é suave; seu fardo, leve; e seus mandamentos, penosos, mas em virtude da oposição com a qual nos defrontamos, pois ainda restam em nossa natureza os princípios contrários, as fraquezas de nossa graça e, portanto, de nosso movimento. E com que esforço e arquejo um homem fraco sobe aquela montanha que o homem saudável escala correndo e com facilidade. Todos nós, até mesmo os melhores, somos fracos. Uma profissão de fé que jamais se depara com essas dificuldades e dores é um triste sinal de um coração doente. Cristo, na verdade, libertou-nos das impossibilidades da aliança das obras e do fardo e jugo das cerimônias legais, mas não das dificuldades e dores da obediência ao evangelho. Nossa contínua distância do fim também causará alguma tristeza; pois o desejo e a esperança, ao implicar a ausência da coisa desejada e esperada, sempre implicam alguma tristeza por essa ausência; e tudo isso se dissipa quando tomamos a posse .
Portanto, aqui deveriam os cristãos depositar seu mais supremo cuidado e esforço. Faça a sua parte, e Deus certamente fará a dele. Examine seu coração e sua obediência, os quais Deus está sempre pronto a ajudar com sua graça, e o Senhor providenciará para que você não perca sua recompensa. Ó como muitos cristãos desonram a Deus e a si mesmos quando ficam mais apreensivos sobre a parte da obra de Deus que à deles mesmos, como se eles devessem suspeitar mais da fidelidade de Deus que do coração infiel e traiçoeiro deles! Esse descanso é glorioso, e Deus é fiel! A morte de Cristo é suficiente; e a promessa, livre, universal e verdadeira. Você não deve temer perder o céu por causa da deficiência ou da ausência de qualquer uma dessas coisas. No entanto, para tudo isso, a falsidade do coração do homem, se ele não o examinar, pode destruí-lo. Se você duvidar disso, acredite no Espírito Santo. "Visto que nos foi deixada a promessa de entrarmos no descanso de Deus, que nenhum de vocês pense que falhou" (Hb 4.1). A promessa é verdadeira, mas condicional. Jamais tema que o Senhor possa quebrar sua promessa, mas tema caso você não preencher totalmente a condição, pois nada mais poderia impedir você de alcançar esse benefício.

terça-feira, abril 14, 2009

RESTA AINDA UM DESCANSO PARA OS SANTOS - RICHARD BAXTER

Na queda de Adão, perdemos não só nosso interesse em Deus e no desfrutar real dele, mas também todo nosso conhecimento espiritual a respeito dele e a verdadeira disposição a tal felicidade. O homem tem agora um coração muito adequado a sua condição atual: estado degradado e espírito vil. E quando o Filho de Deus vem com a graça regeneradora, e descobertas, e propostas de alegria e de glória eternas e espirituais, ele não encontra fé no homem capaz de acreditar nisso. Mas, assim como o homem pobre é incapaz de acreditar que alguém seria capaz de ter a soma de dez mil reais, também os homens dificilmente acreditariam agora que haja tal felicidade como a que outrora tivera, e muito menos que Cristo agora nos busca [...].
O apóstolo dedica a maior parte de sua carta para combater esse destempero. Meu texto é sua conclusão, seguindo argumentos profundos; uma conclusão muito útil para todo cristão, aquele que tem o fundamento para todo seu conforto, o fim de todas suas responsabilidades e sofrimentos, a vida e a essência das promessas do evangelho e dos privilégios cristãos, para que você perceba facilmente por que fiz com que esse fosse o assunto deste meu presente discurso. O que poderia ser mais bem-vindo para os homens, sob o fardo das aflições pessoais, tarefas cansativas e sucessões de sofrimentos, que o descanso? Que notícia poderia ser mais bem-vinda para os homens, sob a influência de calamidades públicas e empregos desagradáveis, bem como sob o peso de pilhagens, de perdas e de acontecimentos tristes--o que é comum a todos nós--que o descanso? Ouvintes, oro a Deus para que dediquem sua atenção, sua intenção de espírito e seu acolhimento, para que vocês dediquem, pelo menos, metade de sua resposta à verdade, à necessidade e à maravilha deste assunto para, desse modo, ter razão de louvarem a Deus enquanto viverem, se escutarem essa mensagem e, como eu, sempre a estudarem.
O texto refere-se à afirmação do apóstolo em toda uma proposição [...]: "Portanto", i.e., claramente se refere à afirmação a seguir: "resta ainda"--como o acordo resta ainda depois da determinação; a execução depois da promessa; o antítipo depois do tipo, e o fim derradeiro depois de todos os meios--um descanso "para o povo de Deus". Deus tem um povo duplo na igreja: um que é apenas dele, pela vocação comum; e o da aliança, santificado pelo sangue da aliança, a fim de ficar separado dos inimigos declarados de Cristo; e todos
sem a igreja que, nesse sentido, não deve ser considerada comum e impura, como o são os judeus e os pagãos; mas, em grande medida, sagrados e santos, como a nação dos judeus e de todos os prosélitos gentios é santa, antes da vinda de Cristo. Estes são chamados de ramos infrutíferos e, portanto, deverão ser cortados. [...] Mas Deus tem um povo particular que é seu por vocação especial, pela aceitação cordial de Cristo, que tem aliança interna e sincera, e é santificado pelo sangue da aliança e pelo Espírito da graça, para que não apenas sejam separados dos infiéis declarados, mas também dos cristãos não regenerados, tornando-se ramos em Cristo e dando frutos; e para estes resta ainda o descanso em meu texto.
Ser o povo de Deus sob seu domínio é fato para todas as pessoas, até mesmo para seus inimigos declarados; ser do Senhor por meio da aliança verbal, da profissão de fé e do chamado externo é fato para todos que estão na igreja visível e pertencem a ela, até mesmo traidores e inimigos secretos; mas ser do Senhor por eleição, por união a Cristo, pelo interesse especial, é propriedade particular daqueles que terão esse descanso. [...]
Esse descanso é para o povo de Deus graças à certeza, ou apenas graças à possibilidade? [...] A promessa é para os crentes, e eles podem saber (embora de forma imperfeita) que são esse povo; apesar de haver a condição de superar, de permanecer em Cristo e de resistir até o fim, ainda que essa condição tenha sido totalmente prometida, ela ainda continua absolutamente certa por causa da promessa. [...] Embora o propósito eterno de Deus não nos dê nenhum direito ao benefício, [...] ainda assim o evento, ou o desfrutar dele, é certo graças ao decreto imutável de Deus, ao seu desejo eterno de que assim fosse, ao fato de ele ser a causa primeira e infalível que, no devido tempo, isso se realizará, ou resultará.


A DEFINIÇÃO DESSE DESCANSO

O sentido do texto, entretanto, inclui na palavra "descanso" tudo o que representa sossego e segurança, o que a alma--exausta por causa do fardo do pecado e do sofrimento, e perseguida pela lei, ira e consciência--tem com Cristo nesta vida, o descanso da graça, e por que, principalmente, almeja o descanso da glória eterna, como seu fim e a parte principal, mas restringirei meu discurso apenas a esse último.
O descanso é o fim e a perfeição do movimento. O descanso do santo, aqui em questão, é o estado mais feliz de um cristão, quando chegar ao fim de seu percurso; ou o perfeito e eterno desfrutar de Deus pelos santos aperfeiçoados, de acordo com a medida da capacidade a que sua alma chega ao momento da morte; e tanto a alma como o corpo desfrutarão disso plenamente após a ressurreição e o julgamento final.
Chamo isso de estado do cristão (embora a perfeição consista em ação, de acordo com o pensamento dos filósofos), o observar tanto o desfrutar passivo como o ativo, em que repousa a bênção cristã e a continuidade de ambos.. Nossa condição será perfeita e perfeitamente limpa; nós, e também nossa capacidade, aperfeiçoada; nossas posses e nossa segurança para sua perpetuidade, perfeitas; nos-so receber de [Deus], perfeito; nossos movimentos, ou ações, nele e em relação a ele, perfeitos; e, portanto, nosso desfrutar dele e, por conseguinte, nossa felicidade, serão, naquele momento, aperfeiçoadas. [...]
Chamo esse estado de o mais feliz de todos, para diferenciá-lo não apenas de toda a aparente felicidade que encontramos no prazer da companhia das pessoas, mas também daqueles inícios, antecipação, ganhos, primeiros frutos e graus imperfeitos, tudo que temos aqui nesta vida, enquanto estamos apenas no caminho. Esse é o bem maior que o mundo há muito pleiteia, embora de forma equivocada, ou ainda o negligencie, e sem o qual o homem, mesmo com a confluência de todos os outros benefícios, é desgraçado. [...]
Chamo esse estado de cristão, mas tenho em mente apenas os cristãos sinceros, os regenerados e os santificados, cuja alma, ao descobrir a maravilha em Deus--algo que não se encontra no mundo--, por meio de Cristo e por causa disso estar próximo a ele e, cordialmente, estabelecido nele. Não quero com isso dizer todos os que nasceram em países em que o cristianismo é a religião predominante e o aceitam como qualquer outra peculiaridade cultural, tornando-se cristãos sem nem saber como ou por que; tampouco me refiro àqueles que professam a Cristo por meio de palavras, mas o negam em suas ações. Esse é um estado que muitos aspiram, e com muita convicção; e como eles sabem que apenas os cristãos o alcançam, declaram-se, portanto, cristãos. No entanto, multidões, por fim, saberão, para seu eterno pesar, que essa é apenas a herança dos santos, e apenas aqueles cristãos que não estão no mundo herdarão esse descanso. [...]
Acrescento que essa felicidade consiste da obtenção do fim, mas quero dizer com isso o fim supremo e derradeiro. [...] Não o fim da conclusão, em relação ao tempo, pois todo homem tem seu fim; mas o fim da intenção, que leva a alma a agir e é a razão primeira de todas as suas ações. [...] O estado eterno, realmente, depende muito de nosso correto julgamento e apreciação de nosso fim!
Mas a grande dúvida de muitas pessoas é saber se a obtenção dessa glória pode ser nosso fim; não, concluíram eles, pois isso é ser mercenário; sim, pois tornar a salvação o fim da obediência é legalismo e o mesmo que agir sob a aliança das obras, cujo lema é: "Faça isso e viva". E muitos outros que acham que esse pode ser nosso fim, embora achem que talvez não seja nosso fim supremo, pois este deve ser apenas a glória de Deus. Responderei, de forma breve, a cada uma dessas posições.
É apropriadamente chamado de mercenário, pois espera receber pelo trabalho feito, e, assim, não devemos fazer do pagamento nosso fim. De outra forma a ordem de Cristo não passaria de mercenarismo. Portanto, considere o que esse fim quer dizer, ele é o gozo de Deus em Cristo: e se buscar Cristo é ser mercenário, eu quero ser mercenário.
Isso também não é uma observação legalista, pois o fundamento de muitos dos últimos equívocos em relação à divindade é achar que o lema: "Faça isso e viva", refere-se apenas à linguagem da aliança de obras. É verdade, em certo sentido, que é; mas, em outro sentido, não é. A lei das obras apenas afirma: "Faça isso", ou seja, cumpra perfeitamente toda a lei, "e viva", ou seja, por fazer isso; mas a lei da graça também diz: "Faça isso e viva"; ou seja, creia em Cristo, busque-o e lhe obedeça como seu Senhor e Rei; renuncie a tudo, sofra todas as coisas e supere, e, ao fazer isso, ou por fazer isso, como a condição que o evangelho propõe para a salvação, você viverá. Se, novamente, estabelecer a revogação das obrigações da lei, então você é legalista; se você estabelecer as responsabilidades do evangelho em lugar de Cristo, em sua totalidade ou em parte, isso ainda é um erro. Cristo tem seu lugar e sua missão; as responsabilidades também têm seu lugar e sua missão; ponha cada coisa em seu devido lugar e espere com isso apenas a parte que lhe é devida, e você estará no caminho certo. [...] Nenhum homem deve procurar mais responsabilidades do que as que Deus determinou; e podemos e devemos fazer isso. [...]
Para aqueles que pensam que esse descanso deve ser nosso fim, mas não nosso fim supremo, pois este deve ser apenas a glória de Deus, não me oporei a eles. Apenas espero que considerem que o que Deus uniu, o homem não deve separar. A glória de Deus e a salvação de seu povo não são dois decretos de Deus, mas apenas um, o de glorificar sua misericórdia na salvação de seu povo, embora devamos reconhecer que um é o fim do outro; assim, acho que eles deveriam estar juntos conosco em nossas intenções. Devemos objetivar a glória de Deus, mas não considerada por si só, sem a nossa salvação, mas em nossa salvação. [...] Estou certo de que Cristo é oferecido à fé em termos que, em grande parte, respeita o bemestar do pecador, mais que sua glória em separado. Ele será recebido como Salvador, Mediador, Redentor, Reconciliador, Intercessor. E todos os preceitos das Escrituras, endossados por tantas promessas e ameaças, e Deus realmente quis que eles fossem nossa razão de viver, realmente deixam implícito outro tanto. [...]
Na definição, considero a felicidade do cristão como o fim de seu caminho, mas quero dizer com isso o mesmo que Paulo quando se referiu a todo o escopo de sua vida (2Tm 4.7). [...] Considero a felicidade a obtenção desse fim; pois isso não é a mera promessa daquilo que nos faz, de imediato, perfeitamente felizes, nem o mero resgate de Cristo, nem nossa mera busca, mas a apreensão e a obtenção que põem a coroa na cabeça do santo. [...] Ó que todos nós acreditemos firme e sinceramente que jamais seremos verdadeiramente felizes até esse momento! Portanto, não devemos cometer disparates para alcançar uma aparente felicidade aqui.

quarta-feira, junho 14, 2006

Os Sinais de um Homem Carnal


1. Quando um homem em seu desejo de agradar seu apetite, não faz isto visando um objetivo mais elevado, ou seja, a sua preparação para o serviço de Deus, mas somente para seu próprio prazer (claro que ninguém faz tudo conscientemente visando o serviço de Deus. Entretanto, uma vida gasta no serviço de Deus é ausente do prazer carnal, de maneira geral).
*
2. Quando ele procura mais ansiosa e diligentemente a prosperidade do seu corpo do que de sua alma.
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3.Quando ele não se abstêm de seus prazeres, mesmo quando Deus os proíbe ou quando ferem sua alma, ou quando as necessidades de sua alma clamam que os deixe. Mas ele tem que ter seu prazer, não importa o que lhe custe; e é tão persistente nisto, que não o pode negar.
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4. Quando os prazeres da carne excedem os deleites em Deus, Sua Santa Palavra e caminhos, e as expectativas de prazer infinito. E isto não só na paixão, mas na estima, escolha e ação. Quando ele prefere estar em um jogo, ou festa, ou outro entretenimento, ou adquirindo boas pechinchas ou lucros do mundo, do que viver na vida de fé e amor, que seria um modo santo e divino de viver.
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5. Quando os homens fixam suas mentes em planejar e estudar para fazer provisão para os prazeres da carne e isto ocupa o primeiro lugar em seus pensamentos e lhe é prazeroso.
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6. Quando eles conversam, ou ouvem, ou lêem mais coisas agradáveis à carne do que àquelas que deleitam o espírito.
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7. Quando eles amam a companhia de pessoas carnais, mais do que a comunhão dos santos, nos quais eles poderiam ser exercitados no louvor ao Seu Criador.
*
8. Quando eles consideram que o melhor lugar para viver e trabalhar é onde eles podem satisfazer sua carne. Eles preferem estar onde têm coisas fáceis e onde nada falta para o corpo, do que em lugares onde têm muito melhor ajuda e provisão para a alma, apesar da carne ser atormentada por isso.
*
9. Quando ele está mais disposto a gastar dinheiro para agradar sua carne, do que para agradar a Deus.
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10. Quando ele não acredita ou gosta de nenhuma doutrina exceto a "crença-fácil" (isto é, a fé que não requer obediência aos ensinos bíblicos) e odeia a mortificação, que classifica como "legalismo" muito rígido. Por estes sinais e outros semelhantes, podemos facilmente conhecer o homem carnal.

domingo, junho 04, 2006

Coma Passar o Dia com Deus

"Portanto, quer comais, quer bebais, ou façais outra cousa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus"

Sono

Controle o tempo do seu sono apropriadamente, de modo que você não desperdice as preciosas horas da manhã preguiçosamente em sua cama. O tempo do seu sono deve ser determinado pela sua saúde e labor, e não pelo prazer da preguiça.

Primeiros Pensamentos

Dirijam a Deus os seus primeiros pensamentos ao acordar, elevem a Ele o coração com reverência e gratidão pelo descanso desfrutado durante a noite e confiem-se a Ele no dia que inicia.
Familiarizem-se tão consistentemente com isto, até que a consciência de vocês venha a acusá-los quando pensamentos ordinários queiram insurgir em primeiro lugar. Pensem na misericórdia de uma noite de descanso, mal acomodados, padecendo dores e enfermidades, cansados do corpo e da vida.
Pensem em quantas almas foram separadas dos seus corpos nesta noite, aterrorizadas por terem que se apresentar diante de Deus, e em quão rapidamente os dias e noites estão passando! Quão rapidamente a última noite e dia de vocês virão! Considerem no que está faltando no preparo da alma de vocês para tal momento e busquem isso sem demora.

Oração

Acostumem-se a orar sozinhos (ou com o cônjuge) antes da oração coletiva em família. Se possível, que isto seja feito antes de qualquer outra ocupação.

Culto Familiar

Realizem o culto familiar consistentemente e em uma hora em que é mais provável que a família não sofra interrupções.

Propósito Básico

Lembrem-se do propósito básico da vida de vocês, e quando estiverem se preparando para trabalhar ou realizar atividade neste mundo, que a inscrição santos para o Senhor esteja gravada no coração de vocês em tudo o que fizerem.
Não realizem nenhuma atividade que não possam considerar agradável a Deus, e que não possam verdadeiramente afirmar que Deus a aprova. Não façam nada neste mundo com nenhum outro propósito que não agradar a Deus, glorificá-lO e gozá-lO. O que quer que fizerdes, fazei tudo para a glória de Deus (1 Co.10:31).

Diligência na Vocação

Realizem as tarefas concernentes à ocupação de vocês cuidadosa e diligentemente. Assim fazendo:
Vocês demonstrarão que não são preguiçosos e escravos da carne (como aqueles que não podem negar-lhe o comodismo); e estarão mortificando todas as paixões e desejos que são alimentados pelo comodismo e preguiça.
Vocês estarão mantendo fora da mente os pensamentos indignos que fervilham nas mentes de pessoas desocupadas.
Vocês não estarão desperdiçando tempo precioso, algo do que pessoas desocupadas se tornam diariamente culpadas.
Vocês estarão num caminho de obediência a Deus, enquanto que os preguiçosos estão em constante pecado de omissão.
Vocês poderão dispor de mais tempo para empregar em deveres santos se realizarem suas tarefas com diligência. Pessoas desocupadas não têm tempo para os deveres espirituais, porque desperdiçam tempo demorando-se em seus trabalhos.
Vocês poderão esperar bênçãos da parte de Deus e provisões confortáveis para vocês e para as suas famílias.
Isto também pode exercitar o corpo de vocês, o que poderá habilitá-los mais para o serviço da alma.
Tentações e coisas que Corrompem

Estejam perfeitamente familiarizados com as tentações e coisas que tendem a corromper você, e sejam vigilantes o dia todo contra isso. Vocês devem estar alertas especialmente para as tentações que têm se mostrado mais perigosas e cuja presença ou emprego sejam inevitáveis.
Estejam alertas contra os pecados mestres da incredulidade: a hipocrisia, a auto-suficiência, o orgulho, o agradar a carne e o prazer excessivo nas coisas terrenas. Tenham cuidado para não se deixarem atrair para uma mente mundana, e para os cuidados excessivos , ou desejos cobiçosos pela abastança, sob a pretensão de serem diligentes no trabalho de vocês.
Se tiverem que negociar com outras pessoas, tenham cuidado contra o egoísmo ou qualquer coisa que se assemelhe à injustiça ou falta de caridade. Ao lidar com as pessoas, estejam alertas para não usarem de palavras vãs e desocupadas. Sejam vigilantes também com relação às pessoas que tentam vocês à ira (ou a qualquer tipo de pecado). Mantenham a modéstia e a clareza, no falar, que as leis da pureza requerem. Se tiverem que conviver com bajuladores, sejam vigilantes para não se deixarem inchar de orgulho.
Se tiverem de conviver com pessoas que desprezam ou injuriem vocês, resistam contra a impaciência e o orgulho vingativo.
No início estas coisas serão muito difíceis, enquanto o pecado for forte em vocês. Mas tão logo tiverem adquirido profunda compreensão do perigoso veneno de qualquer destes pecados, o coração de vocês irá pronta e facilmente evitá-los.

Meditação

Quando estiverem sozinhos nas ocupações de vocês, aprendam a remir o tempo em meditações práticas e benéficas. Meditem na infinita bondade e perfeições de Deus, em Cristo e na obra da redenção, nos céus e em quão indignos são de irem para lá e em como vocês merecem a miséria eterna do inferno.

Remindo o Tempo

Valorizem o tempo de vocês. Sejam mais cuidadosos em não desperdiçá-lo do que o são em não desperdiçar dinheiro. Não permitam que recreações inúteis, conversas vãs e companhias não proveitosas, ou o sono roubem o preciosos tempo de vocês.
Sejam mais cuidadosos em escapar das pessoas, ações ou situações da vida que tendem a roubar o tempo de vocês do que o seriam em escapar de ladrões ou salteadores.
Certifiquem-se não apenas de não estarem sendo desocupados, mas de estarem usado o tempo de vocês da maneira mais proveitosa possível. Não prefiram um caminho menos proveitosos à um outro de maior proveito.

Comer e Beber

Comam e bebam com moderação e gratidão, para serem saudáveis e não por prazer inútil. Jamais satisfaçam o apetite pela comida ou bebida quando isto tender a fazer mal à saúde de vocês.
Lembrem-se do pecado de Sodoma: "Eis que esta foi a iniquidade de Sodoma, tua irmã: soberba, fartura de pão e próspera tranqüilidade, teve ela e suas filhas..."(Ez.16:49).
O Apóstolo Paulo chorou quando mencionou aqueles: "cujo destino é a destruição, cujo deus é o ventre, e cuja glória está na infâmia; visto que só se preocupam com as coisas terrenas"(Fp.3:19). Estes são chamados de inimigos da cruz de Cristo (v.18). "Porque se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas se pelo Espírito mortificardes os feitos do corpo, certamente vivereis"(Rm.8:13).

Pecados Prevalecentes (queda em pecado)

Se qualquer tentação prevalecer, e vocês vierem a cair em qualquer pecado adicional às deficiências habituais de vocês, lamentem imediatamente e confessem isto a Deus. Arrependam-se rapidamente, custe o que custar. Certamente custará mais ainda continuar no pecado e sem arrependimento.
Não façam pouco caso das falhas habituais de vocês, mas confessem-nas e esforcem-se diariamente contra elas, tendo cuidado para não agravá-las pela falta de arrependimento e pelo descaso.

Relacionamentos

Atentes diariamente para os deveres especiais relativos aos vários relacionamentos de vocês, seja na condição de maridos, esposas, filhos, patrões, empregados, pastores cidadãos ou autoridades.
Lembrem-se que cada relação tem seus deveres especiais e seus proveitos da realização de algum bem. Deus requer de vocês fidelidade nestes relacionamentos, bem como em quaisquer outros deveres.

Ao Final do Dia

Antes de dormir, é sábio e necessário relembrar as nossas atitudes e misericórdias recebidas durante o dia que termina, de maneira que sejam agradecidos por todas as misericórdias recebidas e humilhados por todos os pecados cometidos.
Isto é necessário a fim de que vocês possam renovar o arrependimento bem como ser mais resolutos na obediência, e a fim de que examinem a si mesmos, para ver se a alma de vocês progrediu ou piorou, para ver se o pecado foi diminuído e a graça aumentada; e para avaliar se vocês estão mais preparados para o sofrimento, para a morte e para e eternidade.

Conclusão

Que estas instruções sejam gravadas na mente de vocês e se tornem prática diária nas suas vidas.
Se vocês observarem sinceramente estas instruções, elas conduzirão vocês à santidade, à frutificação, à tranqüilidade na vida, e ainda acrescentarão a vocês uma morte confortável e em paz.

Tradução: Pr. Paulo Anglada

quinta-feira, junho 01, 2006

O Descanso Eterno dos Santos

O descanso dos santos não deve ser esperado na Terra.

A fim de mostrar o pecado e a insensatez de esperar descanso aqui na Terra, ele divide o assunto em três tópicos. Estudaremos o primeiro a seguir:

I) A razão dos sofrimentos presentes se deve a:
Que eles são o caminho para o descanso;
Evitam que nós confundamos nosso descanso;
Evitam que percamos nosso caminho para ele;
Avivam nossas passadas em direção a ele;
Incomodam, principalmente, nossa carne;
Sob eles, o doce antegozo do descanso é freqüentemente experimentado.
Não chegamos ainda ao nosso lugar de descanso. A Terra permanecerá? Quão grande é, então, nosso pecado e insensatez em buscar e esperá-lo aqui! Onde encontraremos cristãos que não mereçam esta reprovação? Nós todos desejaríamos ter uma prosperidade ininterrupta, porque é agradável e prazeroso para a carne, mas não consideramos a irracionalidade de tais desejos. E quando desejamos casas confortáveis, bens, terras e rendas, ou os meios necessários que Deus tem designado para nosso bem espiritual, buscamos descanso nestes prazeres. Quer estejamos em um estado de aflição ou de prosperidade, é visível que fazemos da criação o nosso descanso.
Não desejamos
mais ardorosamente os prazeres terrenos, quando carecemos deles, do que desejamos ao próprio Deus? Não nos deleitamos mais em possuí-los, do que em agradar a Deus? E se os perdemos, não ficamos mais perturbados do que se perdemos a Deus? Não é suficiente que eles sejam ajudas revigorantes no nosso caminho para o céu, e ainda tem que ser o nosso próprio céu?
Leitor cristão, eu me disporia a fazer-te sensível a este pecado, tanto como de qualquer outro pecado no mundo, se eu soubesse como fazê-lo, pois a grande contenda do Senhor conosco é neste ponto. Por esta causa, eu imploro, mais vigorosamente, que você considere a razão das aflições presentes e a irracionalidade de descansarmos em prazeres, como também na nossa relutância em fazer morrer aquilo que nos impede de alcançar o descanso eterno.
Portanto, considere:
1) Que a labuta e a dificuldade são caminhos habituais para se chegar ao descanso, tanto no curso natural, quanto no curso da graça. Pode existir descanso sem fadiga? Você não
labuta e se afadiga primeiramente para descansar depois? 0 dia do labor vem primeiro e depois vem a noite para o descanso. Porque desejaríamos que o curso da graça fosse modificado, mais do que o curso natural? Este é um decreto estabelecido "'que devemos, através de muito esforço, entrar no reino de Deus" e que "se sofrermos com Cristo, com Ele reinaremos". E quem somos nós para que os estatutos de Deus sejam modificados em prol dos nossos prazeres?
2) As aflições são muito úteis para nós, para evitar que confundamos nosso descanso. O movimento cristão em direção ao céu é voluntário e não obrigatório. Portanto, as aflições são proveitosas, pois ajudam o cristão a compreender e desejar este caminho. O engano mais perigoso de nossas almas é tomar a criatura por Deus e a Terra pelo céu. Como são entusiasmados, afetuosos e vivos nossos conceitos do mundo, até que as aflições nos façam ponderar sobre eles. Elas falam convincentemente e serão ouvidas, quando os pregadores não forem. Muitos crentes fracos, algumas vezes, dirigem suas atenções para as riquezas, ou prazeres carnais, ou aplausos, e fazendo isso, perdem seus prazeres em Cristo e a alegria no alto, até que Deus aja sobre suas riquezas, ou filhos, ou consciência, ou saúde e derrube a montanha que eles consideravam tão inabalável. E então, quando eles são acorrentados pelos grilhões de Manassés, ou são prostrados em suas camas por causa de enfermidades, o mundo já não é nada significante, enquanto que o céu passa a ser.
Se nosso querido Senhor não colocasse esses espinhos na nossa carne, poderíamos perder nossa glória.
3) As aflições são também a maneira mais eficiente de Deus evitar que percamos nosso caminho para o descanso.
Sem esta cerca de espinhos nos lados direito e esquerdo, nós dificilmente guardaríamos nosso caminho para o céu. Se houvesse apenas uma brecha aberta, quão dispostos nós seriamos para achá-Ia e nos desviarmos dele! Quando nos tornamos libertinos, ou mundanos, ou orgulhosos, quão rebaixados ficamos por intermédio de uma doença ou outra aflição qualquer! Todo cristão, assim como Lutero, poderia chamar as aflições de uma das melhores professoras; e, com Davi, poderiam dizer: "Antes de ser afligido, eu me extraviava; mas agora guardo a tua palavra". Muitos milhares de pecadores salvos podem exclamar: "Ó doença sadia! ó tristeza confortadora! Que perda lucrativa! Que pobreza enriquecedora! Que dia bendito o em que fiquei aflito!" Não somente os "verdes pastos e fontes de água, mas a vara e o cajado, nos confortam". Apesar da Palavra e do Espírito fazerem o trabalho principal, o sofrimento abre a porta do coração, para que a Palavra possa entrar com mais facilidade.
4) As aflições também servem para avivar nossas passadas rumo ao nosso descanso. Seria bom se apenas o amor nos convencesse, e que fôssemos antes atraídos para o céu, do que impelidos. Mas, considerando que nossos corações são tão maus que a misericórdia não poderá realizar esta obra sozinha, é melhor sermos impulsionados para frente com a mais penetrante chicotada, do que demorar-nos, como as virgens néscias, até que a porta se feche. Ó que diferença existe entre a oração que fazemos na saúde e a que fazemos na doença! na prosperidade e na adversidade! Meu Deus! se algumas vezes, não sentíssemos a espora, quão vagarosos seriam os passos da maioria de nós rumo ao céu! Visto que nossa natureza vil o requer, porque não desejaríamos que Deus nos fizesse bem por meios dolorosos? Julgue, cristão, se não andas mais cuidadosa e rapidamente no caminho para o céu nos teus sofrimentos, do que quando estás num estado de prosperidade e satisfação.
5) Considere, além disso, que as aflições atingem principalmente a carne. Na maioria dos nossos sofrimentos a alma permanece livre, a menos que nós, propositadamente, a aflijamos. "Porque, então, ó minha alma, te unes a minha carne, e lamenta-te como ela lamenta-se? O teu trabalho seria mantê-la submissa e trazê-Ia à sujeição; e se Deus faz isto por ti, ficarias descontente? Não tem sido o seu prazer a causa da maioria dos teus sofrimentos espirituais? Porque, então, o seu desprazer não promove tua alegria? Não deveriam Paulo e Silas cantar por estarem com seus pés em correntes? Seus espíritos não estavam aprisionados. Ó alma indigna! é assim que agradeces a Deus por preferir-te muito mais do que ao corpo? Quando teu corpo estiver apodrecendo na sepultura, tu estarás na companhia dos espíritos perfeitos dos justos. Enquanto isto, não tens a consolação da qual a carne não conhece nada?
Não murmure, então, quando Deus agir no teu corpo. Se fosse por falta de amor por ti, como explicas que Ele tenha agido assim com todos os Seus santos? Nunca espere que tua carne interprete corretamente o significado do açoite. Ela chamará o amor de ódio, e dirá, Deus está destruindo, quando Ele estiver salvando. Ela é a parte sofredora, e portanto não, está apta a julgar. Pudéssemos nós, uma vez, confiar em Deus e julgar o modo dEle agir, à luz da Sua Palavra e a luz do proveito que trará as nossas almas e a sua relação com o nosso descanso, nunca mais daríamos ouvidos aos clamores da nossa carne, porque teríamos, então, um julgamento correto de nossas aflições.
6) Uma vez mais, considere que Deus raramente dá ao Seu povo um antegozo, tão doce, do seu futuro descanso, como nas suas aflições mais profundas. Ele mantêm seus consolos mais preciosos para o tempo da nossa maior fraqueza e perigo. Ele os concede quando sabe que são necessários e que serão valorizados, e que serão recebidos com agradecimentos e seu povo se regozijará neles. Especialmente quando sofremos por amor a Ele, raramente, então, deixará de adoçar a nossa taça de amargura.
Os mártires possuíram os júbilos mais elevados. Quando Cristo pregou de maneira tão confortadora aos seus discípulos, do que quando "seus corações estavam tristes"' na sua partida? Quando Ele apareceu entre eles e disse: "Paz seja convosco", não foi quando se calaram por temerem aos judeus? Quando Estêvão viu o céu aberto, se não quando entregava sua vida por testemunho de Jesus? Não é verdade que o nosso melhor estado é quando temos mais de Deus? Então porque desejamos ir para o céu? Se buscamos um céu de prazeres carnais, estamos nos enganando. Conclua, então, que a aflição não é uma condição tão ruim para um santo no seu caminho para o descanso. Somos mais sábios do que Deus? Ele não sabe o que é melhor para nós, muito mais do que nós mesmos? Ou Ele não e tão atento para o nosso bem, quanto nós somos? Deus nos ama mais e melhor do que nos O amamos ou amamos a nós mesmos.
Não diga: "Eu poderia suportar qualquer outra aflição, menos esta". Se Deus te afligisse onde podes tolerar, teu ídolo nunca teria sido descoberto ou removido. Nem diga: "Se Deus me livrasse logo, ficaria contente em passar por isso". Não significa nada para ti, que Ele tenha prometido "trabalharei para o teu bem"? Não é suficiente que estás, seguramente, livre da morte? Nem deixe ser dito "se minha aflição não me incapacitasse a trabalhar, eu poderia tolerá-la". Ela não te incapacita para aquele dever que tende ao teu próprio benefício, mas é a melhor auxiliadora que tu podes esperar. Quanto aos deveres para com os outros, eles não são teus quando Deus te inabilita. Ou talvez dissesses: "Os piedosos são meus opressores; se fossem os ímpios, eu poderia facilmente suportar". Seja qual for o instrumento, a aflição vem de Deus e o motivo, de ti mesmo; e não é melhor olhar para Deus do que para ti mesmo?
Não sabes que mesmo o melhor dos homens é ainda pecador em parte? Não suplique: "Se ao menos eu tivesse aquela consolação que Deus reserva para os tempos de sofrimento, poderia sofrer mais contentemente; mas não recebi tal coisa". Quanto mais sofreres por causa da justiça, mais das bênçãos de Deus podes esperar; e quanto mais sofreres por causa do teu mau procedimento, mais tempo demorará para que as consolações venham. As consolações que desejas não são negligenciadas ou repelidas? Tem suas aflições operado gentilmente em você e preparado você para receber conforto? Não é o sofrimento que lhe prepara para o conforto, mas o sucesso e o fruto do sofrimento sobre seu coração.

segunda-feira, maio 29, 2006

Utilidade e Propósito da Humilhação


Quando eu houver falado sobre a utilidade e propósito da humilhação, vocês entenderão mais do porquê da necessidade dela para vocês mesmos.

1. Um dos usos da humilhação é ajudar na mortificação da carne, ou do “eu” carnal, e aniquilá-la, visto ser esta o ídolo da alma. A natureza do estado pecaminoso e miserável do homem consiste no fato de haver se afastado de Deus, e de estar entregue a si mesmo, vivendo agora para si mesmo, estudando, amando e satisfazendo a si mesmo, ao seu “eu” natural mais do que a Deus. Um pecador se livrará de muitos pecados exteriores e se libertará de obras exteriores antes que venha a se libertar do seu “eu” carnal, e se livre da fortaleza e poder do pecado. Não há parte da mortificação tão necessária e tão difícil como a autonegação - na verdade, ela virtualmente compreende todo o resto, e se isto for feito, tudo estará feito. Se fosse apenas uma questão dos seus amigos, seus supérfluos, sua casa, suas terras, talvez um coração carnal pudesse abrir mão disso. Mas abrir mão da sua vida, do seu tudo, do seu “eu”, é uma palavra dura para ele, e suficiente para fazê-lo ir embora pesaroso. Assim sendo, aqui aparece a necessidade da humilhação; ela coloca todo o fardo sobre o “eu”, e quebra o coração do velho homem, e faz um homem não tolerar a si mesmo, a quem anteriormente amava sobremaneira.
A humilhação transforma esta torre de Babel em pó, e faz com que nos detestemos até o pó e cinzas. Ela toca fogo na casa, na qual confiávamos e nos deleitávamos, diante dos nossos olhos; e nos faz não apenas ver, mas sentir, que é tempo de nos rendermos. O orgulho é o pecado mestre do ímpio, e é parte da humilhação fazê-lo cair por terra. A auto-satisfação é o propósito de suas vidas, até que a humilhação ajude a mudar o curso do rio; e aí, então, se
você pudesse ler os pensamentos deles, veria que eles agora se consideram os mais indignos; e se você pudesse ouvir suas orações e lamentos, você os ouviria clamar por si mesmos como se fossem os seus maiores inimigos.
2. A próxima utilidade da humilhação, e implícita na utilidade anterior, é mortificar aqueles pecados dos quais o “eu” carnal depende e pelos quais é nutrido, e bloquear todas as avenidas e passagens através das quais eles são supridos. O pecado é doce e querido por todos os que não são santificados; mas a humilhação faz com que se tornem amargos e vis.
Assim como as crianças são dissuadidas de brincar com uma colméia de abelhas quando são uma ou duas vezes ferradas por elas, ou de brincar com cães bravios quando são mordidas por eles, assim Deus ensina Seus filhos a saberem o que significa brincar com o pecado, quando são golpeados por ele. Eles distinguirão uma urtiga de arbustos inofensivos quando sentirem o seu ardor. Nós estamos tão acostumados a viver pelos sentidos, que Deus considera necessário que nossa fé tenha a ver com os sentidos para ajudá-la. Quando a consciência acusa, o coração sofre, geme de dor, e sentimos que nenhum expediente ou esforço nos livrará disso, então começamos a nos tornar mais sábios do que antes, e a conhecer o que é realmente o pecado, e o que ele nos causa. Quando aquilo que era o nosso deleite se torna a nossa aflição, e uma aflição pesada demais para suportarmos, isto cura o nosso deleite no pecado. Quando Davi estava encharcando o seu leito com lágrimas, e teve que beber delas, o seu pecado não era mais a mesma coisa para ele, como o foi quando o cometeu. A humilhação retira a pintura desta prostituta que é o pecado e mostra-a em sua deformidade. Ela desmascara o pecado, o qual assumiu uma máscara de virtude, ou de algo irrelevante, ou de uma coisa inofensiva. Ela desmascara Satanás, o qual foi transformado num amigo, ou em um anjo de luz, e revela o seu caráter maligno.
Quão difícil é curar um mundano do amor ao dinheiro! Mas quando Deus coloca tal peso em sua consciência, a ponto de fazê-lo gemer e clamar por socorro, o dinheiro perderá o seu atrativo. Quando ele começa a chorar e gemer por causa das misérias que vêm sobre si, e vê os efeitos da sua riqueza corrupta, e a gangrena do seu ouro e prata começar a comer a sua carne como fogo, e seu ídolo se torna nada menos do que um testemunho contra si, então estará melhor habilitado do que antes para avaliar o pecado. O devasso pensa que tem uma vida feliz quando os lábios da prostituta destilam favos de mel, mas quando ele percebe que o fim dela é amargoso como o absinto, agudo como a espada de dois gumes, que os seus pés descem à morte, e que os seus passos conduzem-na ao inferno[6], e ele jaz em tristeza, lamentando-se da sua loucura, estará então em mais condições de julgar corretamente do que antes estava. O Manassés humilhado em cadeias não é o mesmo que era quando estava no trono; embora a graça tenha contribuído mais para isso do que seus grilhões, estes foram úteis para este fim. A humilhação abre a porta do coração, e lhe diz o que o pecado faz à vida, e introduz a palavra de vida, a qual não havia ainda penetrado além dos ouvidos ou do cérebro.
É um trabalho cansativo falar a homens mortos, os quais perderam os seus sentimentos; especialmente quando se trata de uma doutrina efetiva e prática, a qual devemos lhes comunicar, e que será perdida se não for sentida e praticada. Até que a humilhação opere, nós falamos a homens mortos, ou pelo menos a homens profundamente adormecidos. Quantos sermões eu tenho ouvido que se pensava viriam a transformar os corações dos homens internamente, a fazê-los chorar por causa dos seus pecados, com tristeza e vergonha diante da congregação, levando-os a nunca mais se envolverem com o pecado; e, no entanto, os ouvintes quase que nem foram tocados por eles, mas saíram como vieram, como se não soubessem do que o pregador estava falando, porque os seus corações estavam o tempo todo sonolento dentro deles.
Uma alma humilhada, entretanto, é uma alma despertada. Ela considerará aquilo que é dito; especialmente quando percebe que vem do Senhor, e diz respeito à sua salvação. É um grande encorajamento para nós pregar para um homem que tem ouvidos, vida e sentimentos, que recebe a palavra com apetite, saboreando-a, engolindo a comida que é colocada na sua boca. A vontade é a principal fortaleza do pecado. Se nós pudermos alcançá-la, nós poderemos fazer alguma coisa, mas se ela bloquear o coração, e nós não pudermos chegar mais perto do que o ouvido ou o cérebro, não haverá benefício algum. A humilhação nos abre uma passagem para o coração, a fim de que possamos tomar de assalto o pecado em seu vigor. Eu lhes falo da natureza abominável do pecado, que causou a morte de Cristo, e leva ao inferno, e que é melhor correr para o fogo do que, de maneira propositada, cometer o menor pecado, embora se trate de algo tal que o mundo nem note. Mas, ao lhes falar, se você não for humilhado, pode ouvir tudo isto e superficialmente crer nisso, e dizer que é verdade, mas é a alma humilhada que pode sentir o que lhe está sendo dito. Que luta nós temos com um beberrão, ou com um mundano, ou com qualquer outro pecador frívolo, na tentativa de persuadi-lo a abandonar seus pecados com abominação; e tudo com tão pouco resultado! Às vezes ele deseja abandoná-los, mas é tentado a provar do pecado de novo; e assim fica adiando, porque a palavra não se assenhoreou do seu coração. Mas quando Deus vem sobre a alma como uma tempestade, arrebentará as portas, e como se fossem relâmpagos e trovões na consciência, apodera-se do pecador e o sacode todo em pedaços com o Seu terror e lhe pergunta: O pecado é bom para ti? Uma vida carnal e descuidada é boa? Tu, verme desprezível! Tu, tolo pedaço de barro! Ousas abusar de Mim face a face? Ignoras que Eu estou te olhando? É esta a obra para a qual continuas vivo? Fora com o pecado, sem mais delongas, ou jogarei fora a tua alma e te entregarei aos atormentadores. Isto o desperta da sua demora e procrastinação, faz com que veja que Deus tem boa vontade para com ele, e que, portanto, ele deve ter boa vontade para com Deus.
Se um médico tem um paciente amante da comida que sofre da gota ou de pedra nos rins, ou de qualquer outra doença, e lhe proibir do vinho, bebida forte e outros alimentos que deseja, logo que ele se sentir melhor se aventurará a prová-los, e não se sujeitará às palavras do médico; mas, quando for atacado pela doença e sentir o tormento, então se submeterá às prescrições médicas. A dor o ensinará mais efetivamente do que as palavras poderiam fazê-lo. Quando ele sente o que lhe é doloroso, e que aquilo sempre o faz adoecer, ele se reprimirá mais do que faria por atenção às recomendações médicas.
Assim, quando a humilhação quebrar o seu coração e lhe fizer sentir que está doente de pecado, e encher a sua alma com dores agudas e sofrimentos, então você terá mais desejo de que Deus destrua o pecado em você. Quando o pecado pesar sobre você, a ponto de não lhe permitir levantar os olhos, quando fizer com que vá a Deus com gemidos e lágrimas clamando: Oh, Senhor, tem misericórdia de mim porque sou pecador! Quando você ficar feliz em procurar os ministros para aliviar a sua consciência, encher os ouvidos deles com acusações a si mesmo, e revelar até os pecados mais odiosos e vergonhosos, então você ficará feliz em se desvencilhar dos pecados. Antes disso não adianta lhe falar sobre mortificação e sobre rejeição resoluta dos seus pecados; os preceitos do Evangelho parecerão rigorosos demais para que você se submeta a eles. Mas um coração quebrantado mudaria a sua mente.
Um saudável lavrador diria: “Eu como o que quero”; “os médicos só querem tirar o nosso dinheiro”; “eu nunca seguirei o conselho deles”. Mas quando a enfermidade vier sobre ele, e houver tentado em vão tudo que estava ao seu alcance e a dor não lhe der descanso, e for levado ao médico, então ele fará qualquer coisa, e tomará qualquer remédio que ele lhe der, a fim de que possa ter algum alívio e se recupere.
Assim, quando o seu coração estiver endurecido e não humilhado, estes pregadores e as Escrituras lhes parecerão severos demais. O que vocês desejam realmente são ministros afetados e presunçosos, que preguem o que bem quiserem. Vocês nunca acreditarão que Deus concorda com as coisas duras que os ministros fiéis pregam, nem que Deus condenará vocês pelas coisas às quais dispõem seus corações. Mas quando aqueles pecados se tornarem como que espadas no seu coração, e você começar a sentir aquilo de que os ministros haviam lhe alertado, então a sua reação será outra. Portanto, fora com o pecado! Não há nada tão odioso, tão maligno, tão intolerável. Oh, se você pudesse se livrar dele, custasse o que custasse! Então você teria por seu melhor amigo aquele que lhe pudesse dizer como matar o pecado, e se livrar dele; e aquele que afastasse você desse amigo lhe seria como o próprio Satanás. A humilhação cava tão profundamente que mina o pecado, e a fortaleza do mal; e quando o alicerce está profundamente enraizado, a humilhação o destroçará. Quando os assassinos de Cristo tiveram o seu coração golpeado, eles clamaram por um conselho dos apóstolos. Quando um assassino dos santos é jogado cego por terra, e o Espírito, além disso, humilha a sua alma, então ele é levado a clamar: “Senhor, o que tu queres que eu faça?” Quando um cruel carcereiro que açoita os servos de Cristo é levado por um tremor de terra a um tremor de coração, ele então clamará: “Que devo fazer para que seja salvo?”
Aqui se manifesta o uso das aflições; e mesmo o porquê delas favorecerem tanto a humilhação: os homens são trazidos à razão em momentos de crise. Quando eles jazem num leito de morte, alguém pode falar-lhes, que eles não vão, tão soberbamente, fazer pouco caso do que lhes é dito, ou escarnecer da Palavra do Senhor, como o fizeram na prosperidade. Deus será mais considerado quando Ele pleitear com eles com uma vara na mão. Os açoites são a melhor lógica e o melhor discurso para um tolo. Quando o pecado leva cativa a razão deles pela carne, o argumento que poderá convencê-los deverá ser tal que a carne seja capaz de entender. A carnalidade brutifica o homem de tal modo que, tornando-se brutos, não são mais as razões mais claras que prevalecerão; e se Deus não houvesse mantido no homem corrompido algum resquício de razão, nós pregaríamos aos animais com tanta esperança como pregamos aos homens. Mas as aflições tendem por enfraquecer o inimigo que os cativa; assim como a prosperidade tende a fortalecê-lo. A carne entende a linguagem da vara melhor do que a linguagem da razão e da Palavra de Deus.
Como a parte sensível da nossa humilhação promove a mortificação, assim a humilhação racional e voluntária, que é própria ao santificado, é a parte principal da mortificação. Assim, como você vê, é necessário que sejamos totalmente humilhados, a fim de que o pecado possa ser plenamente aniquilado em nós.
3. Outro uso da humilhação é o de preparar a alma para encontrar mais graça, para a honra de Cristo e para o nosso próprio bem.
(1) Com relação a Cristo, é de se esperar que Ele habite apenas em almas que estejam preparadas para recebê-Lo. Nem a Sua pessoa, nem a Sua obra são tais que possam se coadunar com um coração não humilhado. Até que a humilhação faça um pecador sentir o seu pecado e miséria, não é possível que Cristo, como Cristo, venha a ser bem-vindo ou recebido com a honra que Ele espera. Quem liga para o médico quando não está doente e nem teme a morte? Ele pode passar pela porta de tal homem, e este não o chamará, mas quando a dor e o temor da morte estão sobre si, ele irá atrás, procurará e implorará para que venha. Correria para Cristo, em busca de socorro, aquele que não sente sua própria necessidade ou perigo? Agarrar-se-iam Nele como o único refúgio das suas almas, achegando-se a Ele como sua única esperança, aqueles que não sentem necessidade Dele? Prostar-se-iam aos Seus pés mendigando misericórdia aqueles que passam muito bem sem Ele?
Quando os homens ouvem acerca do pecado e da miséria, e crêem apenas superficialmente, eles podem procurar Cristo e graça com frieza, e sentem tão pouco o valor do segundo, como sentem a importância do primeiro. Mas Cristo não é nunca valorizado e procurado como Cristo, até que a tristeza nos ensine como valorizá-Lo; nem é Ele recebido com a honra devida a um Redentor, até que a humilhação quebre todas as portas; nem um homem pode buscá-Lo de todo o seu coração, se não o fizer com o coração quebrantado.
Também é certo que Cristo não baixará o custo para vir a uma alma. Embora Ele venha para o nosso bem, receberá honra ao fazer isso. Embora Ele venha para curar-nos, e não porque tenha qualquer necessidade de nós, terá que receber as boas vindas devidas a um médico. Ele veio para nos salvar, mas será honrado na nossa salvação. Ele convida a todos para a festa do casamento, e até mesmo compele-os a vir; mas espera que tragam a veste nupcial, e não venham com uma roupa ordinária que desonraria Sua casa. Embora a Sua graça seja livre, Ele não a expõe ao desprezo, mas terá a Sua plenitude e liberdade glorificadas. Embora Ele não venha para redimir a Si mesmo, mas a nós, ainda assim vem para ser glorificado na obra da nossa redenção. A Sua graça não é tão livre a ponto de salvar aqueles que não a valorizam, e não dão graças por ela.
Assim sendo, apesar da fé ser suficiente para aceitar o dom, a fé deve ser uma fé grata, que magnificará o doador, e uma fé humilde que reconheça o Seu valor, e uma fé obediente que responda ao Seu propósito. Assim, a fé que é a condição de nossa justificação é apropriada tanto à honra do doador, como à necessidade do recebedor. E como a razão nos diz que deveria ser, assim confirma a experiência cristã. A alma que é verdadeiramente unida a Cristo e compartilha da Sua natureza, valoriza mais a obra da Sua salvação, onde a honra de Cristo é maior. Ela não consegue sentir prazer na idéia de uma graça tal que venha a desonrar o próprio Senhor da graça. Assim como Cristo é solícito para a salvação da alma, assim Ele faz a alma solícita em receber corretamente Aquele que a salva. Deste modo, foi através do Seu sangue, e não da nossa aceitação do Seu ensino ou governo, que obtivemos o resgate da nossa alma. Mas, por outro lado, Ele está resolvido a não justificar a ninguém através do Seu sangue, exceto sob a condição desta fé, que é um assentimento do coração ao Seu ensino e senhorio. A virtude não está tanto na aplicação ou concessão dos benefícios de Cristo quanto está na Sua obra de adquirir para nós esses benefícios.
Quando Ele veio para nos resgatar, consentiu em ser um sofredor, a dar a Sua face ao golpeador, e a se submeter ao opróbrio. Suportou a cruz, desprezando a vergonha, e sendo injuriado não injuriou, mas orou por Seus perseguidores. Todavia, Ele não virá através da Sua graça salvadora à alma para ser recebido ali com desprezo, porque Ele veio na carne com o propósito de ser humilhado, mas veio no Espírito com o propósito de ser exaltado. Cristo veio na carne para condenar o pecado que reinava na nossa carne, e assim foi feito pecado por nós, isto é, um sacrifício pelo pecado. Mas no Espírito, Ele veio para conquistar a nossa carne e, através da lei do Seu Espírito vivificador, para nos libertar da lei do pecado e da morte, a fim de que a justiça da lei se cumprisse em nós, e também para que não fôssemos condenados, nós os que andamos não segundo a carne, mas segundo o Espírito.
O reino de Cristo não era deste mundo, porque, se o fosse, Ele procuraria estabelecê-lo pela força das armas e da luta, que são os meios mundanos. Mas o Seu reino é dentro em nós; é um reino espiritual, e assim, apesar de estar no mundo, Ele foi tratado com desdém, como um tolo, como um pecador, e como um infortunado. Mas dentro em nós Ele deve ser tratado com honra, e reverência, como um Rei e Senhor absoluto. A vez do executor e do poder das trevas foi quando Ele estava em agonia; mas quando Ele vem através da Sua graça salvadora a uma alma, é a vez do Seu triunfo e casamento, e do poder prevalecente da luz celestial. Na cruz, Ele era como um pecador, e tomou o nosso lugar, e suportou o que era a nossa culpa, e não Sua. Mas na alma Ele é o conquistador de pecados, e vem para tomar posse do que é Seu, e para realizar a obra que pertence a Ele na Sua dignidade; e, assim, Ele será ali reconhecido e honrado. Na cruz, Ele estava derrubando o reino de Satanás, e estabelecendo o Seu próprio, apenas de um modo preparatório; mas na alma, Ele faz ambos serem executados imediatamente. Na cruz, o pecado e Satanás se vangloriaram; mas quando Ele penetra a alma, é Ele quem Se vangloria sobre eles, e não cessa até os haver destruído. Na redenção, Ele Se consumiu; mas na conversão, Ele toma posse do que remiu. Em uma palavra, Ele veio ao mundo em carne para ser humilhado, mas Ele vem à alma, através do Seu Espírito, para a Sua merecida exaltação. Assim sendo, embora Ele houvesse suportado ser cuspido na carne, não suportará ser desprezado na alma. Assim como no mundo Ele foi escarnecido com um título de rei, coroado com espinhos, e vestido com tais roupas reais a fim de que fosse feito objeto de opróbrio, assim, quando Seu Espírito entra em uma alma, Ele é ali entronizado com a nossa consideração mais reverente, subjetiva, e profunda. Ele é ali coroado com o nosso mais elevado amor, e gratidão, e adorado com a ternura da nossa obediência e do nosso louvor. A cruz haverá de ser a porção dos Seus inimigos; a coroa e o cetro serão a Sua. E assim como tudo foi preferido em detrimento Dele na terra, até mesmo o próprio Barrabás, assim também todas as coisas haverão de ser subjugadas a Ele na alma santificada, e Ele obterá a primazia diante de todas as coisas.
Este é o propósito da humilhação: preparar o coração para um maior gozo do Senhor, e preparar o caminho diante Dele, e habilitar a alma para ser o templo do Seu Espírito. Uma alma humilhada nunca se desvencilharia Dele usando bois, fazendas, ou casamentos como desculpas. Aquele, porém, que não é humilhado fará muito pouco caso Dele.
(2) Assim como o próprio Cristo será recebido com honra, ou então nem será recebido, assim deve acontecer com a misericórdia e com a graça que Ele oferece. Ele não aplicará o Seu sangue e a Sua justiça àqueles que não lhes dão valor. Ele não perdoará tamanha quantidade de iniqüidades, nem removerá tais montanhas que caem sobre a alma daqueles que não sentem a necessidade de tal misericórdia. Ele não resgatará do poder do mal, da opressão do pecado, dos arrabaldes do inferno e não fará membros de Seu próprio corpo, filhos de Deus e herdeiros dos céus, aqueles que não aprenderam a valorizar estes benefícios, mas são mais voltados para os seus pecados, misérias e frivolidades do mundo. Cristo não despreza Seu sangue, Seu Espírito, Sua aliança, Seu perdão, nem Sua herança celestial e assim Ele não as dará a ninguém que as despreze, até que Ele os ensine melhor a conhecer o Seu valor. Você pensa que estaria de acordo com a sabedoria de Cristo dar bênçãos indizíveis como estas a homens que não têm coração para valorizá-las? Porque dar a um homem justificação e adoção é mais do que lhe dar todo este mundo visível: o sol, a lua, o firmamento, e a terra. Deveriam estas graças ser dadas a alguém que não liga para elas? Porque assim Deus perderia Seu propósito. Ele não obteria o amor, a honra nem a gratidão tencionada no Seu dom. É necessário, portanto, que a alma seja totalmente humilhada, a fim de que o perdão seja recebido como perdão, e a graça como graça, e não negligenciados indevidamente.
(3) Assim como a humilhação é necessária tanto para a honra de Cristo e de Sua graça, assim também ela é necessária para o nosso próprio benefício e consolação. A misericórdia não pode ser realmente nossa, se a humilhação não nos habilitar a isso. Estas bênçãos devem ser engolidas por um estômago vazio, e não tomadas na vaidade e impiedade. Um homem à beira da forca se regozijará com um perdão; mas um mero observador que se julgue inocente, não daria valor a isso, mas tomaria o perdão como uma acusação. Não há muita doçura no nome de um redentor para uma alma não humilhada. Ela não valoriza o Espírito. O Evangelho não é evangelho para ela. As boas novas de salvação não são tão alegres para tal pessoa quanto as boas novas de riquezas ou deleites mundanos. Assim como um estômago sadio é o que faz a refeição parecer agradável a nós, e assim como o cardápio rústico é mais agradável para o sadio do que as refeições suculentas ao doente, da mesma forma, se não formos esvaziados de nós mesmos, vis e perdidos nas nossas próprias prisões, e se a contrição não estimular os nossos apetites espirituais, o próprio Senhor e todos os milagres da Sua graça salvadora seriam aos nossos olhos coisa sem valor, e ouvir ou pensar sobre estas coisas apenas nos aborreceriam. Oh, que tesouro inestimável é Cristo para uma alma humilhada! Que vida nas Suas promessas! Que doçura em cada experiência da Sua graça, e que festa no Seu imensurável amor!
(4) Outro uso da humilhação, implícito no item anterior, é que ela é necessária para fazer com que o homem se submeta aos termos do pacto da graça. O homem natural se agarra aos prazeres da carne, e vive pelos sentidos e é apegado às coisas do presente. Ele não sabe como viver apegado às coisas invisíveis através de uma vida de fé. Esta é a nova vida que todos os que vivem em Cristo devem viver. Assim, portanto, Ele os convoca a abandonar tudo, a crucificar o mundo e a carne, e negar a si mesmos, se quiserem ser Seus discípulos. Mas quão relutante é o homem natural para renunciar a tudo e se entregar totalmente a Cristo! Mas quão ansioso ele é para se agarrar às coisas do presente, por falta de confiança nas promessas celestiais, tendo os céus, em última análise, apenas como uma reserva. É nestes termos que os hipócritas são religiosos, e é assim que enganam as suas almas. Mas quando o coração é verdadeiramente quebrantado, ele não mais permanecerá desse modo com relação a Cristo, mas se submeterá totalmente aos Seus termos. Não estabelecerá condições com Ele, mas aceitará com gratidão as Suas condições. Com Cristo, com graça, e com a esperança da glória, qualquer coisa lhe satisfaz a alma.
(5) Outro uso da humilhação é nos preparar para reter e progredir na graça quando nós a recebemos. O ditado diz: “O que é conseguido com facilidade, facilmente se perde”. Se Deus desse o perdão dos pecados ao que não é humilhado, quão cedo Ele seria desprezado! Quão facilmente tal pessoa daria ouvidos à tentação, e retornaria ao seu próprio vômito! Como nós dizemos: “A criança queimada teme o fogo”. Quando o pecado o golpear, e quebrar o seu coração, você o abominará enquanto viver. Quando a tentação vier, você se lembrará da sua dor aguda: “Não é isto aquilo que me custou tantos gemidos, me deixou no pó, e quase me condenou, e vou eu cometê-lo novamente? Foi tão difícil para eu ser restaurado por um milagre de misericórdia, vou eu agora correr novamente para a miséria da qual eu fui salvo? Não tive eu tristezas, temor e inquietação suficientes para que vá agora buscar mais disso, e renovar o meu transtorno?” Assim, a lembrança dos seus sofrimentos será um contínuo alerta para você. Um espírito contrito, que é esvaziado de si mesmo, e ao qual é ensinado o valor de Cristo e da misericórdia, não apenas se agarrará a eles, mas saberá como usá-los, com gratidão a Deus e benefício para si mesmo.
(6) Outro uso da humilhação é preparar a alma para se aproximar do próprio Deus, de quem ela se afastou. Assim como a nenhuma criatura é permitido se aproximar do Deus dos céus, a não ser que o faça com reverente humildade, assim também a nenhum pecador é permitido se aproximar Dele, a não ser que o faça em contrita humildade. Quem é que pode sair de tal estado de impiedade e miséria, e não trazer consigo o senso disso em seu coração? Não é permitido a um filho pródigo encontrar seu pai com tanta confiança e ousadia, como se ele nunca o tivesse abandonado, a não ser que diga: "Pai, pequei contra os céus e contra ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho”[8]. Não é sem falta que uma alma culpada, ou que alguém que é resgatado do fogo, olhará para Deus com uma face soberba, mas com a cabeça baixa de vergonha e tristeza, batendo no peito e dizendo: “Ó Senhor, tem misericórdia de mim, pecador!”[9]; “Porque Deus resiste aos soberbos, contudo aos humildes concede a Sua graça”[10]; "O Senhor é excelso, contudo atenta para os humildes; os soberbos, Ele os conhece de longe”[11]; "Porque assim diz o Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos, e vivificar o coração dos contritos”[12]; “...mas o homem para quem olharei é este: o aflito e abatido de espírito, e que treme da minha palavra”[13]; "Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado e salva os de espírito contrito”[14]; "Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito; não o desprezarás, ó Deus”[15]. Não há retorno para Deus, a menos que não nos toleremos por causa das nossas abominações.
Quanto mais nos aproximamos de Deus, mais nós devemos nos detestar até o pó e cinzas. Ele não aceita um pecador em seus pecados; mas primeiro o lava e limpa. A conversão deve nos fazer humildes como crianças, as quais são ensináveis e não procuram por grandes coisas no mundo ou, de outro modo, não podem entrar no reino de Deus.
Estes são os usos e a necessidade da humilhação.
[7] Rm 8:2
[8] Lc 15:18,19
[9] Lc 18:13
[10] 1 Pe 5:5
[11] Sl 138:6
[12] Is 57:15
[13] Is 66:2
[14] Sl 34:18
[15] Sl 51:17